(Brasília – DF, 26/09/2019) Solenidade de Posse do Procurador-Geral da República, Augusto Aras.rFotos: Isac Nobrega/PR

Quando o criminoso é só o autor e não o mandante

14 de junho de 2020, 18:12

Nomeado para o cargo pelo presidente da República e um dos cotados, até agora, para a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal, nos últimos meses do ano, o procurador-Geral da República, Augusto Aras, tem sido de uma fidelidade canina para com Jair Bolsonaro. Se, além de fiel escudeiro do chefe do Governo, Aras for, de fato, “terrivelmente evangélico”, matou a pau, a vaga será dele.

Na última decisão proferida, o PGR mandou a lógica e o bom senso para escanteio, salvando a baliza do presidente. Aras entendeu que é crime invadir hospitais para fotografar leitos supostamente desocupados e determinou ao Ministério Público nos estados apurar ocorrências. Até aí tudo bem. Mas deu de ombros ao fato de terem esses energúmenos invasores de prédios públicos de saúde agido após o conselho, explícito, do próprio presidente, em suas redes sociais.

“Tem um hospital de campanha perto de você, tem um hospital público, arranja uma maneira de entrar e filmar. Muita gente tá fazendo isso, mas mais gente tem que fazer, para mostrar se os leitos estão ocupados ou não, se os gastos são compatíveis ou não. Isso nos ajuda”, proferiu o presidente, há quatro dias. O conselho foi de grande valia. No dia seguinte, bolsonautas paulistas fizeram o que? Invadiram o Hospital de Campanha do Anhembi e tentaram agredir os médicos, claro. Logo depois, cinco deputados estaduais do Espírito Santo fizeram o mesmo em um hospital público da cidade de Serra e levaram um esculacho da secretaria estadual de Saúde.

Não ver a culpa de Bolsonaro nesses dois atos, e noutros que podem vir pela frente, é cegueira. Fingir não entender que todos esses criminosos, seguidores bolsonaristas, agiram movidos pela palavra do Messias deles, é tirar onda com a inteligência alheia. No caso, mais uma grande prova de fidelidade ao presidente da República.

Bolsonaro é useiro e vezeiro em mandar fazer e dizer que não mandou. Em sua coletânea semanal de barbaridades, sempre conta com a posterior intervenção da turma do “deixa disso” para dizer que não foi bem assim. Até quando se refere ao STF aos palavrões (o antológico “Acabou, porra!”, quem olvida?) , ele ganha defesa de auxiliares, autoridade, aliados. “Ele é autêntico”, “Bolsonaro é assim mesmo”, “É o jeitão dele” e desculpas cretinas do gênero.

Alguém pode por em dúvida que os exemplos do governo, através do seu presidente, respondem por uma parcela significativa do universo de mortos e infectados pela Covid-19 e pelo avanço do Brasil no triste ranking do Novo Corona vírus em todo o planeta? Claro que pode – os fanáticos seguidores de Jair Bolsonaro, os mesmos que rejeitam a razão e a ciência, que defendem a cloroquina, que seguem a filosofia de Olavo de Carvalho, que idolatram ditadores e torturadores, que pregam intervenção militar e que vão às tapas para provar que a Terra é plana.

Bolsonaro não invadiu hospitais, mas sugeriu, pediu, praticamente determinou. Está na cara que alguns dos 33% de brasileiros para quem ele governa e inventa novidades toda semana, iriam (como foram) atrás da dessa conversa. Ele não foi o autor do crime? Foi o mandante. Não há dolo para o autor intelectual?

Escrito por:

Jornalista e compositor, com passagem por veículos como o Jornal do Commercio (PE) e as sucursais de O Globo, Jornal do Brasil e Abril/Veja. Teve colunas no JC, onde foi editor de Política e Informática, além de Gerente Executivo do portal do Sistema JC. Foi comentarista político da TV Globo NE e correspondente da Rádio suíça Internacional no Recife. Pelo JC, ganhou 3 Prêmios Esso. Como publicitário e assessor, atuou em diversas campanhas políticas, desde 1982. Foi secretário municipal de Comunicação. Como escritor tem dois livros publicados: "Bodas de Frevo", com a trajetória do grupo musical Quinteto Violado; e "Onde Está Meu Filho?", em coautoria, com a saga da família de Fernando Santa Cruz, preso e desaparecido político desde 1973. Como compositor tem dois CDs autorais e possui gravações em outros 27 CDs, além de um acervo de mais de 360 canções com mais de 40 músicos parceiros.

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