Paz no porão
Não existe nem céu nem inferno. Cabo Anselmo não foi castigado em vida nem o será, apesar de teses delirantes em contrário, depois de morto. Morreu velho e sem ser importunado pelo sistema de Justiça, previamente absolvido por uma anisitia abjeta, mas, principalmente, deixado em paz pela covardia de uma esquerda que sempre negou a si o direito de se vingar das ações dos assassinos e torturadores da ditadura.
Em 2000, reconhecido em um bar de Buenos Aires, o torturador Júlio Simon, o “Turco Julián”, um dos carniceiros da ditadura argentina, foi cercado e espancado por militantes de esquerda. Foi salvo pela polícia mas, dali em diante, nunca mais pisou o pé na rua, até ser preso e condenado, em 2006, a 25 anos de prisão, pelo desaparecimento de um casal de chilenos e pelo sequestro da filha deles, nascida nos porões da tortura.
No Brasil, não se sabe de um único torturador que tenha levado um peteleco que fosse, num baile de carnaval.
O mais conhecido e tenebroso deles, morreu com aposentadoria integral e cercado de amor familiar: o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra se divertia enfiando ratos nas vaginas de presas políticas e, no dia seguinte, levava as próprias filhas para brincar com as torturadas, um grau de perversão que só encontra similaridade nos campos de concentração da Alemanha Nazista.
Foi homenageado, no plenário da Câmara dos Deputados, na votação do impeachment de Dilma Rousseff, pelo então deputado Jair Bolsonaro e, desde então, tornou-se uma espécie de entidade das trevas adorada pelos fanáticos fascistas do covil bolsonarista.
Portanto, não adianta ficar apostando na ira de papai do céu nem desejando o mármore do inferno para essa gente. É preciso garantir que essas bestas feras não tenham paz em vida.
Por isso, se voltar ao poder, a esquerda pode escolher repetir os mesmos erros com o bolsonarismo, ancorada no argumento infantil de que só olhar para o futuro é o bastante, ou pode ajustar as contas com o passado – antes que ele morra, alegremente, de velho.