Wassef e a maldição dos neófitos
Por Luís Costa Pinto
Se dinheiro não aceita desaforo, como bem assenta o aforismo popular, Brasília e o poder que a capital da República emana tampouco respeitam a ingenuidade dos neófitos. Mesmo criaturas com perfis soturnos de lombrosianos vocacionais, metidos a cavalos-do-cão e convictos de serem a última tampa que lacrou uma garrafa de Crush (não à toa, uma laranjada popular até o fim dos anos 1970) podem ser ingênuos sem deixarem de ser maus ou perversos. Ou as duas coisas ao mesmo tempo. Daí, quando descobertos e pilhados na mentira, a arrogância cultivada como ferramenta de audaciosa e ardilosa prática de alpinismo social do submundo da cidade para o mundo exterior aonde tudo acontece se converte em reveladora ingenuidade dos espíritos de porco. Mas, cada ato tem sua regulação e são altos os preços a pagar por quem as infringir.
Federik Wassef é assim. Cabe todinho, em seu corpanzil de 1,95m e com o narigão protuberante, nas definições do parágrafo acima.
Até a posse de Jair Bolsonaro na presidência da República, o advogado, um rábula de varandas ajardinadas, passava o tempo arquitetando planos mirabolantes com amigos provectos e cuspindo conhecimentos jurídicos adquiridos no Google enquanto tomava umas e outras nas confortáveis casas do Lago Sul e do Park Way. Em tempo e a propósito: são dois dos mais agradáveis bairros brasilienses. Casou com a empresária Cristina Boner, sua cliente, e foi peça-chave no desmonte do primeiro matrimônio dela. Foi ele quem buscou um árbitro para dirimir os litígios decorrentes das avenças e desavenças.
Em 2014, de acordo com o que o próprio Wassef vem dizendo, e dando de barato ter o causídico fanfarrão alguma credibilidade, tornou-se amigo de Jair Bolsonaro. A amizade, consolidou-se com a admiração comum por armas, pela ira vazada em discursos sórdidos de combate ao avanço da criminalidade armando e dividindo a sociedade e pela hipocrisia da crença partilhada em uma “meritocracia” estéril na qual eles não acreditam, nem praticam. Veio a facada de Juiz de Fora, e Wassef abriu as portas do Hospital Albert Einstein para Bolsonaro. Para isso, teve a ajuda do amigo Fábio Wanjgarten, também transformado em íntimo da família do candidato e agora lugar-tenente da comunicação de um governo perverso, ausente, beligerante, incompetente e trágico.
Amigo de um presidente desqualificado para a função, useiro e vezeiro de esconder a própria incompetência por trás de discursos toscos e grosseiros de ódio e de ideologias vãs, Frederik Wassef viu serem abertas as portas para grandes, pequenos e médios negócios na Esplanada dos Ministérios. Entre setembro e outubro de 2019 perdeu a vergonha, ou cansou de ficar à sombra da família Bolsonaro. Foi o momento em que começou a procurar a imprensa, de forma insistente e ardilosa, para se posicionar como consultor jurídico do clã Bolsonaro no rosário de crimes de que são acusados. A fama de escudo familiar consolidou a trajetória para a política. Ele começou a funcionar como uma espécie de encruzilhada de negócios. Não à toa, as empresas e consórcios empresariais de sua agora ex-mulher ganharam tração na interlocução com o Governo Federal. Choveu na horta do advogado, relatam diversas reportagens da imprensa tradicional e de veículos alternativos que o Palácio do Planalto deseja calar com as ofensivas contra a liberdade de expressão.
No início da manhã da sexta-feira 19 de junho ruiu o mundo em que Wassef já se considerava VIP. Fabrício Queiroz, o ex-militar que adubava e trabalhava a colheita no laranjal dos Bolsonaro, no Rio de Janeiro e em Brasília, foi preso numa casa de propriedade do rábula, em Atibaia, São Paulo. Nu ante os fatos, o “jurista” de fancaria viu-se exposto. Na esteira dos acontecimentos, foi renegado e rechaçado por Jair Bolsonaro e temerosamente protegido pelo senador Flávio Bolsonaro.
A elipse invertida percorrida pelo prontuário de Wassef em seu curto verão brasiliense assemelha-se à do publicitário Marcos Valério, personagem central da Ação Penal 470: à guisa de uma reputação ilibada e construída em bases sólidas, em Brasília, ambos tentaram alugar o bom conceito de que eram “amigos do rei”.
No caso de Wassef, era mesmo – afinal, gostava de ser visto como arroz de festa nas celebrações e nas intrigas do Palácio do Planalto e vivia em tertúlias com o presidente no Palácio da Alvorada. Valério, ao contrário, jamais conseguiu provar que estivera uma vez sequer em quaisquer dos palácios presidenciais.
Em Brasília, ensinou-me certa vez o atual presidente do Tribunal de Consta da União, José Múcio Monteiro, é necessário equilibrar sempre o conceito e a reputação que os demais têm de si. A reputação, no plano ideal, é construção da vida inteira e deve ser uma espécie de plano exclusivamente ascendente – posto derivar-se da formação, do comportamento, dos valores e das amizades que se tem. O conceito, por sua vez, é resultado direto do ecossistema transitório de quem está no poder na capital da República. Logo, por um breve período, Wassef locupletou-se no conceito que gozava no bolsonarismo. Escancarou portas com isso, curtiu a vida adoidado enquanto durou a condição. Quando o inverno lhe caiu qual um viaduto naquela manhã de junho em Atibaia, sumiram os amigos, os amigos dos amigos, os clientes, os acólitos. Com reputação desfavorável, Frederik Wassef sucumbiu à maldição dos neófitos em Brasília. Não foi o primeiro a naufragar nesse lago de infortúnios, certamente não será o último.
