Wadih Damous vê no episódio da ABIN a privatização do governo e a utilização do aparelho de estado

24 de dezembro de 2020, 11:10

Wadih Damous é advogado trabalhista, ex-presidente da OAB-RJ, foi presidente do Sindicato dos Advogados do Rio de Janeiro em duas gestões, entre 2002-2006, é mestre em Direito Constitucional e do Estado, pela PUC-RJ. É autor do livro “Medidas Provisórias no Brasil: origem, evolução e novo regime constitucional”, em parceria com o atual governador do Maranhão, Flávio Dino e um dos deputados federais petistas que esteve à frente das estratégias jurídicas de contestação ao pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, em 2015.

Foi contrário à reforma trabalhista de 2017 e à PEC que estabeleceu o teto para os gastos públicos por 20 anos. É um dos advogados de defesa do ex-presidente Lula e foi um dos subscritores do habeas corpus impetrado perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região que determinou a sua libertação. Damous defendeu em campanha a abertura dos arquivos da ditadura e presidiu a Comissão da Verdade do Rio.

Enquanto Jair Bolsonaro esteve na Câmara dos Deputados por 28 anos e dele não se conhece nenhum projeto, apenas sugestões em defesa de privilégios para os militares, o ex-deputado Wadih Damous, como parlamentar, é autor de 27 projetos de lei que tratam de temas como sistema de justiça, direitos trabalhistas, defesa da advocacia e contra o encarceramento em massa. É crítico aos abusos e ilegalidades praticadas por atores do sistema de justiça criminal, notadamente em sede de operações policiais que atentem contra a dignidade da pessoa humana e os direitos e garantias individuais. Nesta entrevista ao JD, Wadih faz um balanço do ambiente jurídico do ano de 2020, que teve, segundo ele, uma lista de erros intermináveis, mas destacou um acerto: a abertura do inquérito das fake news. Ele reputa o episódio da ABIN como gravíssimo: “significa a privatização do governo e a utilização do aparelho de estado como um órgão de assessoria para a defesa judicial de Bolsonaro e de sua famiglia”.

JD – Em um balanço da atuação do Judiciário no ano de 2020, que fatos mereceriam destaque, para o bem e para o mal?

WD – Para o bem, a instauração do inquérito das fake news, no Supremo Tribunal Federal e a decisão do Ministro Alexandre de Moraes, em sede Habeas Corpus, determinando a seu colega Luiz Fux que preste informações acerca do processo em que Fux suspendeu a vigência do juiz de garantias. Para o mal, haveria uma lista interminável, mas destaco a série de decisões do STF que acabaram por concluir a demolição do Direito do Trabalho iniciada pela reforma trabalhista.

JD – O ano de 2020 foi o ano em que que nos livramos de Sérgio Moro no cenário político. Como o senhor avalia sua passagem pelo ministério da Justiça? Qual foi a sua marca como ministro?

WD – Seu fosse dar uma nota, eu daria -10 na sua atuação como juiz (ironizando). Como ministro, dou nota zero. Não fez nada de relevante, nem para mal nem para o bem. Na Lava Jato, ao menos, deixou um legado de devastação. No Ministério, nem isso.

JD – A saída de Sergio Moro do ministério foi um tiroteio. O que se apurou, de fato, de suas denúncias e o que falta vir à tona sobre a troca de comando na PF?

WD – Moro perdeu muita credibilidade com a vaza-jato. No episódio de sua demissão, ficou claro que ele e Bolsonaro queriam um Diretor da PF para cada um chamar de seu. Tanto um quanto o outro queriam instrumentalizar a função. Venceu quem tinha a caneta. Falta vir à tona o que todos já estão vendo: Bolsonaro aparelhou a direção da Polícia Federal.

JD – Em sua opinião, ainda há espaço para ele conciliar a carreira de “consultor” com a perspectiva de uma candidatura à presidência em 2022? Ou ele entendeu que não é do ramo?

WD – Na política tudo é possível. Mas acho difícil e improvável. Parece que ele preferiu ganhar dinheiro às custas da devastação que promoveu no país a ter que entrar numa “roubada” que ele não domina – a arena da política.

JD – O que impediu o STF de julgar a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro? Foi o clima acirrado da vida política? O que contribuiu para o adiamento?

WD – Tenho a impressão de que a possibilidade de o Presidente Lula voltar a ser candidato incomoda. Além disso, a aposentadoria iminente de Celso de Melo também contribui, acredito eu. Como também acho que ele votaria contra a concessão do HC (habeas corpus).

JD – Além da desculpa do ministro Gilmar Mendes de que só julgará o habeas corpus do ex-presidente Lula em sessão presencial, o que mais, em sua opinião, entrava esse julgamento?

WD – Não acho que seja desculpa num sentido negativo. Nós advogados de defesa preferimos sessões presenciais. Agora, com a 2ª Turma definida em sua composição, creio que o julgamento será marcado após o recesso.

JD – O hacker de Araraquara (Walter Delgatti Neto) fez denúncias graves sobre a relação do ministro Barroso, do STF, com o Deltan Dallagnol, dando a entender que ambos trocavam informações que influenciaram nos processos. Barroso negou as acusações. Ele será chamado a explicar de forma mais nítida, essas declarações do hacker? Que tipo de consequências podem vir daí?

JD – O hacker fez revelações da maior gravidade, que deveriam ser investigadas a fundo e a sério. Ele está documentado. A prova é ilícita, devo admitir, mas deveria, então, ser periciada. Tudo indica, ao menos em curto e médio prazo, que não serão. Não chegamos ao ponto, pelo menos ainda, de termos um Procurador Geral da República que “tenha peito” de investigar um ministro do Supremo.

JD – Neste ano tivemos também a saída de Deltan Dallagnol do cargo de procurador da Lava -Jato. Depois de ter tentado de forma infrutífera se candidatar a senador e a uma vaga para a PGR, o que fica de Dellagnol? Um powerpoint?

WD – A saída de Dallagnol foi um fato positivo a favor da democracia e das boas práticas investigativas. Mas ele não deixa só um powerpoint. Deixa um país devastado na política, no direito e na economia. Esse é o verdadeiro e único legado da Lava Jato.

JD – A Lava-Jato teve seus trabalhos prorrogados por mais um ano. Que tipo de atividade ainda terá?

WD – O correto era a sua extinção. Como não foi, provavelmente continuará atuando contra a democracia e contra a Constituição em desrespeito a direitos e garantias fundamentais a pretexto de “combater a corrupção”.

JD – Este foi um ano em que a ex-presidente Dilma Rousseff foi oficialmente inocentada sobre as denúncias que a levaram ao impeachment. O que o senhor comentaria a respeito?

WD – O estado de exceção sempre fornece aparentes paradoxos. Temos hoje um presidente que pratica crimes todos os dias e da maior gravidade, que põem em risco a vida de milhões de pessoas e que segue impune. E tivemos uma presidente honesta contra quem inventaram crimes não cometidos. Digo paradoxos aparentes, porque num estado de exceção isso não é paradoxo.

JD – Neste ano o ex-presidente Lula teve arquivadas sete acusações que pesavam contra ele, o que equivale dizer, foi inocentado. Que desdobramentos isto deveria ter?

WD – Quando julgado fora de Curitiba, o Presidente Lula foi inocentado. É mais uma demonstração da parcialidade e da falta de isenção de Moro e dos procuradores que ele comandava na Lava Jato.

JD – O senhor acredita na devolução, pela Justiça, dos direitos políticos do ex-presidente Lula?

WD -Não só acredito como trabalho para isso. Não será nenhum favor. Trata-se de direitos arbitrariamente usurpados, por força de decisões judiciais viciadas. Mas a mobilização popular para isso será muito importante e imprescindível.

JD – Lula deveria ser o candidato do PT para 2022?

WD – Defendo que seja. O Brasil tem duas personalidades políticas com força eleitoral incontrastável: Lula e Bolsonaro. Se temos um Pelé ou um Maradona não podemos deixá-lo no banco de reservas. Com Lula a vitória é certa em 2022.

JD – Que atitude Aras deveria tomar sobre a instrumentalização da Abin?

WD – Cumprir com a sua obrigação e abrir investigação. Mas parece que ele já abriu e a Ministra Carmen Lúcia determinou à Abin que prestasse informações. Esse é um crime monstruoso. Significa a privatização do governo e a utilização do aparelho de estado como um órgão de assessoria para a defesa judicial de Bolsonaro e de sua famiglia.

Escrito por:

Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora-pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" e "Imaculada", membro do Jornalistas pela Democracia

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