Verdades Mentirosas

24 de junho de 2020, 13:25

Na psicanálise moderna a mentira sempre foi uma maneira de defender a própria privacidade. Assim aprendi com meu analista. Quem muito quer saber acaba sabendo o que não é verdade. Desde que não prejudique o outro a mentira sempre foi uma questão a ser discutida seja pelo aspecto moral que pelo aspecto religioso. “Eu não minto” sempre foi um cartão de visitas de quem é ilibado e normalmente não condizia com a verdade. 

A mentira é um recurso, seja ela inocente ou prejudicial.

O que estamos vivendo aqui no Brasil é a descaracterização da mentira boa e inocente para dar espaço somente à mentira do mal, aquela que existe para garantir a vida de quem não tem verdade nenhuma a revelar.

O governo Bolsonaro mente como quem diz a verdade. A mentira virou um discurso despudorado e eles mentem para se garantir no poder e mesmo quando são contestados, o que acontece com muita frequência, quem ouve e acredita não coloca em dúvida. Para a mentira existir e sobreviver precisa de quem acredite nela fervorosamente. Os desmentidos não têm muito charme, são a realidade sem emoção no mau sentido. É como a neurose, as grandes paixões, a vaidade, todos os 7 pecados capitais e a falsidade.  Diante da saúde psicológica ou mesmo da felicidade e da honestidade a neurose é mais charmosa. O desmentido é igual. serve só para corrigir uma inverdade que certamente teve um efeito devastador. 

Então, a linguagem do governo passou a ser a da mentira sem a menor preocupação com os desmentidos que se sucedem. O gado educado ouve só as mentiras e sai ruminando sem dar ouvidos aos desmentidos. A linguagem é a verdadeira ditadura. A linguagem passa a ser arma definitiva em todos os setores. Mesmo com fotos, denúncias, depósitos, gravações telefônicas reveladoras, basta você não querer acreditar naquilo que ouve e não dar importância que tudo vai por água abaixo. A falta de informação do gado bolsonarista acaba sendo o elemento fundamental para que essa informação falsa se estabeleça. 

A linguagem jornalística que vemos hoje também segue uma certa regra de normalidade que acaba distorcendo os fatos. O tempo que perdemos ouvindo nos noticiários que esse governo é normal acaba atrasando o que se pode fazer, democraticamente, para que isso se resolva. O que estamos vivendo, mesmo que o governo tenha sido eleito numa votação cheia de questionamentos, não é normal. Julgar as atitudes dos ministros ou mesmo do presidente dentro de uma ótica de normalidade acaba sendo um alimento para essa rede de mentiras que sustenta o próprio governo.

As empresas jornalísticas oficias têm que manter um certo pudor, entendo, mas não podem prestar o desserviço de dizer que esse é um governo normal. Ter sido eleito não quer dizer que mereça o nosso respeito. O impeachment existe para isso e a presidenta Dilma foi deposta de modo injusto e articulado sem o menor pudor. De novo a linguagem normal  determinava que aquele governo não era normal. A linguagem daquela vez não respeitou. Foi direto ao ponto alimentando quem queria que aquele governo acabasse. Isso prova que a linguagem serve aos interesses de quem a domina. 

Hoje vivemos uma verdadeira batalha entre as mentiras do governo e as notícias dessas mentiras veiculadas pela imprensa normal, digamos assim, e a imprensa real, alternativa, aquela que vai fundo nos fatos e não considera o que estamos vivendo uma coisa normal. Respeitamos a democracia e queremos que Bolsonaro despareça pelos caminhos democráticos mas daí a achar que esse é um governo normal, é demais. Nem ele nem quem o apoia merece ser considerado normal. Temos que dar um basta a essas mentiras oficiais e restabelecer a verdade dos fatos como única notícia que nos interessa. Aí sim, poderemos interpreta-las do jeito que acharmos melhor.

Escrito por:

Cartunista, diretor de arte e ilustrador além de jornalista, comentarista e autor de teatro, cinema e televisão.

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