
Uma mulher brasileira
É a Sonia Balbino, 42 anos, paraibana quem conta. Aos 6 anos começou a trabalhar na roça às 4 da manhã, estudar à tarde e à noite cair na cama morta de cansaço. Ela, os pais e mais os outros 5 irmãos, 2 meninas e 3 meninos. A roça fazia parte de uma fazenda maior que era dividida entre os agricultores que depois davam metade do que colhiam para o dono das terras. Normal por lá. No final de semana Sonia trabalhava com a mãe e as irmãs nas terras ao lado da casa.
A casa era boa, grande segundo a lembrança dela, e o que entrava de dinheiro do trabalho do pai nas terras do dono sumia na compra de comida pra família. De vez em quando, se sobrasse, comprava um porco, uma ovelha, mas na mesa, arroz, feijão, queijo e farinha. Nada de carne. Carne era coisa de rico. A relação com a família, tirando a irmã que batia nela para que ela trabalhasse na casa depois de um dia inteiro na roça era boa.
Sonia trabalhou em vários lugares. Na roça, negociando o que conseguia, fazendo pequenos serviços, ajudando as pessoas. Todo mundo gostava dela. Também, uma pessoa como ela que ajudava todo mundo. A vida era aquilo mesmo. Para ela, se você trabalhasse muito conseguia mais. Se estudasse, conseguia mais ainda. Não era nem obra divina, nem exploração do homem pelo homem. Era a vida.
Os dias e noites na roça ajudavam. Ela se esforçava e colhia mais algaroba. Comia o que sobrava. Era docinha. O resto ia pros animais. A família dela era uma das muitas que o dono das terras dividia a colheita. Ele ficava com 50 % e convidava os agricultores, às vezes, para comer, um jantar com a família na tentativa de uma convivência conveniente.
Sonia também trabalhou com o pai. Iam de bicicleta na segunda cedo para o meio da roça e passavam por lá a semana toda, até sexta quando voltavam pra casa.Por vezes foram e voltaram a pé. Dava quase 2 horas caminhando. Sonia preferia ir correndo até ralar o pé. Parava, bebia água no caminho e seguia. O pai chegava depois. Dormiam numa barraca improvisada embaixo de uma árvore. Às vezes, a tia que era a dona das terras, os chamava para dormir na casa pra não ficar ali junto com os trabalhadores.
Sonia lembra de tudo e conta com alegria. Era sofrido, mas as lembranças são boas. Quando o irmão veio para a cidade grande elas se animaram. Pegaram as poucas coisas e também vieram. Sonia veio para o Rio antes da virada do século. Ganhava 150 reais por mês. Era muito bom. Basicamente um salário mínimo. Mas foi como ela fez a vida. Trabalhando, mandando dinheiro pra família na Paraíba e melhorando, aos poucos, de vida. Comprou uma casa por lá, com a ajuda de um amigo que emprestou o dinheiro. Melhorou a casa que ficou alugada até este mês quando ela pega de volta e vai colocar a mãe para morar nela. A vida pela vida. O tempo que passa, as alegrias e as boas lembranças você vai tirando do que você consegue.
Sua capacidade de transformação, sua persistência, sua vontade. É um jeito doido de viver, mas é assim que consegue, quem consegue, esse povo de meu deus que habita o Brasil. Sonia vai uma vez por ano à Paraíba. Viaja de avião e passa por lá suas férias. O descanso trabalhando de quem já trabalha por aqui na cidade grande como diarista, esperta, dona de uma sabedoria que poucos tem. Sônia é uma mulher brasiieira.