Uma chance para Augusto Aras
No final tremendo de seu livro belíssimo (e o mais conhecido) Gabriel García Márquez conta a existência de uma sentença cruel, lembrando que “as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra”.
Bem: à exceção dessas estirpes, todos nós (ou quase todos) merecemos uma segunda oportunidade na vida.
Alguns até são abençoados com mais chances. O excelentíssimo senhor doutor Augusto Aras, que ocupa o ostensivo cargo de Procurador-Geral da República, por exemplo, já teve três ou quatro desde que se aboletou na poltrona correspondente. E nada.
Pois agora ele tem mais uma chance de mostrar que finalmente entendeu que seu dever e sua missão é prestar lealdade e obediência radical e irrestrita à Constituição, e não a Jair Messias e sua cambada.
Tem também o dever de zelar pela defesa da sociedade como um todo, e não de uma quadrilha qualquer.
Nesta quarta-feira o doutor Aras recebeu um grupo de senadores que participaram da CPI do Genocídio, que entregaram a ele, devidamente encadernadas, as 1.279 páginas do relatório elaborado por Renan Calheiros, que contou com o apoio de um grupo de funcionários e consultores. O relatório foi aprovado por sete senadores, contra quatro bolsonaristas radicais que votaram a favor do genocídio.
É o resultado de seis meses de trabalho. Durante esse tempo, o país foi sacudido por revelações estarrecedoras de crimes cometidos por ministros, médicos, empresários, especuladores, corruptos, tudo debaixo das generosas asas de Jair Messias e a filharada.
O conteúdo do relatório é fulminante. Agora, caberá ao Procurador-Geral, contando com o apoio de seu grupo de assessoria direta, ou seja, procuradores escolhidos a dedo, decidir se acata ou não as denúncias feitas contra quem conta com foro privilegiado. E quem são eles?
Bem, para começar, o próprio Jair Messias, denunciado como responsável por ter cometido um robusto punhado de crimes. Além dele estão dois de seus filhotes, o senador Flávio e o deputado Eduardo. A lista se estende ainda para abrigar quatro ministros: Marcelo Queiroga, da Saúde, Onyx Lorenzoni (atualmente na Secretaria-Geral da Presidência; as acusações, porém, se referem a quando ele era ministro do Trabalho), Wagner Rosário, da Controladoria-Geral da União, e o general empijamado Walter Braga Netto (atualmente na Defesa, mas os crimes teriam sido cometidos quando ele era da Casa Civil). Além deles, um grupelho de cinco deputados e senadores obedientes aos delírios de Jair Messias.
Com razão, e baseados em antecedentes, os senadores foram até o doutor Aras com os dois pés para trás.
Desta vez, porém, o que o Procurador-Geral divulgou surpreendeu: assegurou nas redes sociais (muito melhor que entrevistas coletivas, onde sempre surgem perguntas incômodas…) que as informações contidas no relatório trazem informações novas, e por isso mesmo permitirá que se avance nas investigações sobre condutas criminosas de gente com foro especial.
Agora, é esperar para ver quanto tempo esse avanço vai levar.
Alguns malvados já antecipavam que, ao constatar que suas chances de ser indicado para o Supremo Tribunal Federal eram escassíssimas ou nulas, Augusto Aras enfim aproveitaria uma nova oportunidade nesta terra.
Já não para alcançar o sonho frustrado, mas para mostrar que finalmente entendeu sua missão à frente da Procuradoria-Geral da República.
E mostrar que sua decência não foi totalmente corroída. Vale, pois, repetir: agora, é esperar para ver.