Um Crime chamado Justiça
Depois das três doses da vacina e usando máscara KN95, tomei coragem e arrisquei sair de casa para ir ao teatro assistir “A Pane”, do dramaturgo suíço Friedrich Dürrenmatt. Minha impetuosidade foi muito bem recompensada.
Por pouco mais de uma hora, minha mente foi oxigenada por um texto inteligente, intrigante, surpreendente e bem-humorado. Tudo cuidadosamente embalado na direção primorosa de Malú Bazán e na interpretação impecável do elenco. Atores consagrados como Oswaldo Mendes, Antônio Petrin e Roberto Ascar dividem o palco com os jovens, mas não menos talentosos Cesar Baccan, Heitor Goldflus e Marcelo Ullmann.
Escrito inicialmente como novela, “A Pane” vira peça de teatro depois que Dürrenmatt faz uma pesquisa sobre os julgamentos dos crimes da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) na Europa.
A história se passa num vilarejo onde um caixeiro viajante, Alfredo Traps, homem comum, se vê obrigado a passar a noite por causa de uma pane no seu carro. Na falta de uma hospedaria, o rapaz aceita o convite para pernoitar na casa de um ex-juiz, que naquela noite oferecia um jantar para amigos, todos ex-profissionais de Direito aposentados.
No encontro, regado a muito vinho e lauto banquete, os veteranos convidam Alfredo Traps a participar de um jogo, para que eles possam exercitar suas antigas funções na Justiça. Cada um representa um personagem nesse tribunal imaginário. O rapaz aceita o papel de réu e é lançado numa trama jurídica que envolve temas como poder, sexo, corrupção, desvios morais e éticos. Durante a longa noite, o jovem embriagado pelo vinho, pelo banquete e pelas sustentações dos membros do simulacro de tribunal, é persuadido pelos “senhores da lei” a confessar-se e acreditar-se um assassino e merecedor da pena de morte.
O texto nos leva à reflexão sobre a fragilidade de algumas decisões judiciais e, fatalmente, nos remete a algo do nosso passado recente: à farsa do julgamento do caso “triplex do Guarujá”, que resultou na condenação e na prisão por mais de um ano do ex-presidente Lula. As circunstâncias do julgamento e a condição de suspeição do julgador, posteriormente expostas e reconhecidas pelo STF, tornam essa associação inevitável.
Essa é a função da literatura e da arte, promover o pensamento crítico, despertar a formação da consciência social e histórica. Arte e literatura são agentes emancipadores do ser humano. E esse papel, a peça “A Pane” exerce com louvor.
“A Pane” está em cartaz no Teatro FAAP (rua Alagoas, 903, em Higienópolis, São Paulo), com sessões às sextas, às 21h; sábados, às 20h; e domingos, às 18h. Informações e televenda: (11) 3662-7233 ou (11) 3662-7234