Quem tem medo de Bolsonaro?

4 de julho de 2020, 19:19

Até meados de março os empresários davam de ombros e faziam muxoxos, cada vez que ouviam o nome de Jair Bolsonaro. Aquele sem modos, ruidoso, bronco e de má fama, deviam falar aos botões de suas camisas, Ermenegildo Zegna. Até então, convicto de que a qualquer hora que lhe apertassem o calo, poderia lançar mão do artigo 142, da Constituição, e enquadrar todo mundo, Bolsonaro era só bazófia, arroubos e desaforos. Cercado de militares por todos os lados, ele não ouvia ninguém a não ser a série de 01,02 e 03, que por sua vez retransmitiam o que lhes passava o autoproclamado “filósofo” esbravejante da Virgínia.

Enquanto isto, a turma de poderosos da Paulista, postava os olhos aos gestos de Paulo Guedes, onde identificavam alguma semelhança com a política ao gosto da Fiesp. Este sim, os representava. Apesar do corte – ou a ausência de – do cabelinho à lá tio Patinhas de almanaque, viam nele alguma proximidade com o que podiam chamar de “um dos nossos”.

Ao mesmo tempo, Bolsonaro continuava dando coices e rabos de arraia nos demais poderes, a quem culpava por tudo, sem admitir a sua total falta de projeto, falta de conhecimento de como funciona a máquina governamental, e de até onde podia avançar sem criar “marolas” e encrencas. Criou todas. Com a imprensa, com o STF, com a Câmara e, até mesmo, com Davi Alcolumbre, o seu aliado no Senado.

Brigou com a sombra, o próprio partido que o elegeu. Ficou na chuva e se irritou a ponto de chutar o balde de forma quase irreversível. Naquele momento, isolado, continuava tendo algo em torno de 30% de apoio popular, o que fazia tremer o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. A esta altura chegavam os primeiros pedidos de impeachment até a sua mesa, mas ele adiou. “Não era a hora”.

Não? Não tínhamos as limitações da pandemia. Bolsonaro já havia perfilado crimes de responsabilidade e a imprensa atacada todos os dias no chiqueirinho do Alvorada, começava a dar mostras de irritação e retirava apoio. O quadro perfeito para balançar o pé de fruta. Faltavam apenas dois detalhes: um líder para puxar o grito nas ruas e o presidente da Câmara concordar. Não tivemos nem uma coisa nem outra.  E veio o isolamento social. A tragédia que já beira os 65 mil mortos.

Depois de muitas cambalhotas, Bolsonaro parece ter se lembrado dos tempos em que era deputado e, apesar de não prestar atenção no modo de se fazer política – passou 28 anos dentro do Congresso com atuação pífia, sem apresentar projetos relevantes -, aconselhado pelo golpista Michel Temer, cuja “habilidade” ninguém pode negar, abandonou as falas ásperas no chiqueirinho. Convencido de uma vez por todas da real finalidade do artigo 142 da Constituição – e não é para dar golpes -, recolheu a sua turma de coturnos e desistiu de chantagens e ameaças. Ninguém mais tem medo do bicho-papão. Vergado ante processos seus e dos filhos, culminando com a prisão do antigo aliado da Comunidade de Rio das Pedras, vestiu o modelito discreto e buscou pontes com os poderes vizinhos. Não está mais “de mal”.

Assim, banhado, escanhoado e “tranquilo”, conseguiu à base da troca que tanto condenou na campanha, o apoio de 206 deputados do centrão, e até arrefecer o azedume do ministro Celso de Mello que, ao que parece, deixou de achar urgente o depoimento de Bolsonaro. Adiou o assunto para depois do recesso. É possível que o dispense de fazê-lo pessoalmente. Uma pena, porque “o corpo fala”. Fez elogios a Toffoli, conversou com Rodrigo Maia e com Alcolumbre e, o mais importante do ponto de vista dele: recebeu afagos do PIB paulista.

Uma vez, no final dos anos 80, fui designada para entrevistar um grande empresário carioca, em seu gabinete. O senhor de meia idade, com má fama nas conversas femininas, me recebeu com uma bala na boca, jogada contra os dentes, o que fazia um ruído irritante enquanto ele falava, girando em sua cadeira de espaldar alto. No subtexto estava implícito: sou poderoso, rico e por isto posso ter maus modos. Quem tem que manter os modos aqui é você. Continuei fazendo o meu trabalho com naturalidade, até que este senhor tirou os sapatos e esticou os pés sobre a mesa, quase no meu rosto. É claro que a entrevista acabou ali. Com cordialidade, mas era o meu limite.

Isto, para dizer que enquanto Bolsonaro portou-se como eles se portam sem, contudo, integrar a turma deles, não era bem-vindo. Somente os muito ricos podem esticar o pé sobre a mesa. Agora que resolveu ter modos, eles até aceitam os seus convites. Afinal, a política de Guedes continua a mesma. Aquele decano da política, o “príncipe” que os representa, já disse que tolerará Bolsonaro até 2022, nas “eleições”. Não se espantem se até oferecer um vice para formar chapa.

Então, é hora de compor as peças no tabuleiro. O empresariado almoçou feliz no Palácio da Alvorada, juntamente com os demais poderes, com direito a declaração apaziguadora de Dias Toffoli e do empresariado. Para eles, “o pior da crise causada pela pandemia de Covid-19 já passou”. Para nós, ela está no auge, mas quem se importa?

Escrito por:

Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora-pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" e "Imaculada", membro do Jornalistas pela Democracia

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