O Supremo Tribunal Federal (STF) acima de todos

23 de dezembro de 2020, 12:48

Antes de chegarmos a 2021 contabilizaremos 200 mil mortes pela Covid-19, no Brasil. Não. Isto não é uma profecia. Não tenho bola de cristal. É apenas a constatação de que Bolsonaro e o seu imprestável ministro da Insalubridade, Eduardo Pazuello, continuarão a voltar as costas para esta que foi a grande pauta de governos, no mundo. A preocupação com o outro, o combate a uma doença que veio, segundo os cientistas, do desequilíbrio provocado pelo ser humano, que deveria cuidar de sua casa: o planeta terra, mas optou por exauri-la, até que o caos se instalasse.

Na infância era comum, nesta época, ouvir a canção com os versos: “seja rico ou seja pobre, o velhinho sempre vem”. Neste ano, é possível que o “velhinho” tenha sido acometido pela doença. Ele não vem. Ou virá para muito poucos e por isto tivemos que substituir os versos: “seja rico ou seja pobre, a Covid sempre vem”.

Diante da ameaça planetária os cientistas de todos os cantos se debruçaram sobre as suas bancadas e pipetas, a fim de buscar a saída. A saúde. E eis que no Brasil, onde por empenho dos últimos governos progressistas, (ou teria sido a década?) surgiu a oportunidade de combater com eficácia o coronavírus, com a capilaridade do SUS e vacinas. A vacina fabricada em solo brasileiro pode nos permitir, aos poucos, ir voltando à normalidade. Vidas serão salvas, a despeito da torcida contra, de Bolsonaro. Filas se formarão, exigindo um plano nacional de imunização que, de fato, funcione e seja respeitado.

E o que o faria funcionar? A Lei, já antecipada pelo voto histórico do ministro Ricardo Lewandowski, pela obrigatoriedade das pessoas se vacinarem. A conferir, as medidas que a tornarão imprescindível sem ser coercitiva. Porém, o mesmo Supremo Tribunal Federal que emanou medida de tamanha positividade para a população, incorreu no gesto mais vergonhoso, depois do “exarado” pelos promotores e procuradores do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP). Com um vexaminoso abaixo-assinado encaminhado ao gabinete de crise contra a pandemia do governo do estado (SP), solicitando que todos os membros do MP recebam a vacina contra a covid-19 antes da população em geral.

Agora foi o Supremo Tribunal Federal (STF), o autor de pedido tão egoísta quanto o do encaminhado pelos promotores. No melhor estilo dos tempos do: “sabe com quem está falando”, a “egrégia” corte se candidata a uma “reserva” de um lote da vacina para imunizar 7.000 funcionários do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e deles próprios, uma casta, que só transita pelo mundo trancada em seus carros equipados por ar-condicionado, salta em casa, encomenda as compras pelo delivery e trabalha home office, “guardados com Deus, contando o vil metal, como na canção (Belchior)”.

A medida tem justificativa, claro. Trata-se de “uma forma de contribuir com o país nesse momento tão crítico da nossa história”. Oi??? De que país estamos falando? O país de miseráveis que se comprimem dentro de trens, ônibus e metrô, porque se há patrão, há trabalho. E a prioridade é “a economia”, como alardeia em todos os eventos aquele que se diz preocupado com o “desenvolvimento do país”, única frase de palanque que ele consegue pronunciar no final dos seus “discursos”, de modo a arrancar palmas das claques contratadas para recebê-lo por aí. Certamente pessoas escolhidas no naco de 37% que as pesquisas apontam como seus apoiadores.

Um país em que a doença graça entre as populações de periferia que nem sequer recebem água – este bem precioso e privatizado – para fazer a higiene básica e recomendada: lavar as mãos.

De que contribuição tratam esses senhores? Certamente não é com o país, conforme dito na justificativa rasteira. Falam, isto sim, de contribuição com o governo genocida, cujo plano para a população é exterminar o maior número possível de velhos – encurtando a folha da Previdência -, e de pobres, para que parem de atrapalhar a economia, com exigências de programas sociais e verbas a fundo perdido. Atitudes como estas serão, sim, de grande ajuda, para que os miseráveis dependurados nas bordas do país despenquem de vez para a morte.

E, pasmem. O ofício enviado à Fiocruz, – onde está sendo produzida a vacina solicitada, a AstraZeneca, não fala apenas em “reserva”, menciona, ainda, a “antecipação” das doses.

“Considerando se tratar de um produto novo e ainda não autorizado pela Anvisa, gostaria de verificar a possibilidade de reserva de doses da vacina contra o novo coronavírus para atender a demanda de 7.000 (sete mil) pessoas”, diz o documento.

Estamos falando aí de 14.000 doses, levando-se em conta que são exigidas duas doses para a imunização garantida.

“A intenção de compra de vacinas vem sendo manifestada por diversos órgãos públicos que realizam campanhas de imunização entre seus funcionários, como o STF, que encaminhou ofício semelhante à Fiocruz”, é o que diz o “press release” da assessoria do STJ. O lote requisitado menciona como destino os servidores do CNJ e do Supremo Tribunal Federal.

Quando veio ao Brasil, em agenda oficial, em 27 de abril de 2018, o presidente chileno, Sebastián Piñera, fez uma visita à alta corte do país e foi recebido pela então presidente do STF, Carmem Lúcia. Em dado momento, quis saber: “quando falha a suprema corte, a quem se recorre?”. Carmem Lúcia apontou o dedo indicador para o alto, numa alusão a Deus.

Naquele, momento ficou claro o porquê desse pedido absurdo em momento trágico. O Supremo segue o lema fascista de Bolsonaro. “O Supremo acima de tudo. Deus acima de todos”.

Que venha a vacina. Para todos! Feliz Natal.

Escrito por:

Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora-pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" e "Imaculada", membro do Jornalistas pela Democracia

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