
O grito reprimido de gol
Fazia tempo que eu não vibrava com um gol da seleção brasileira. Gritei GOL!!! depois daquela meia bicicleta de gênio do tricolor Richarlison. Digo tricolor porque sou Fluminense e esse estilo ele aprendeu nas Laranjeiras. O passe foi do Vini Jr que aprendeu na Gávea, tudo bem. Ambos geniais, mas o Richarlison provocou em mim o que eu não sentia há muito tempo. Que bom que foi ele, jogador sério, com atitudes politicamente louváveis, consciente e comprometido com a questão social e não o ídolo bolsonarista programado Neymar.
Senti ali naquele momento que resgatava o sentimento de torcedor verdadeiro. Lembro que a primeira Copa que percebi pelos radinhos de pilha ligados foi a de 1958 na distante Suécia, apesar da pouca idade que tinha. Era a estreia de Pelé que brilhou com seus 17 anos. Foi meu primeiro contato com a vitória e a festa brasileira. Em 1962, mesmo a Copa tendo sido mais perto, no Chile, foi uma Copa confusa onde Pelé não jogou, rolou muita denúncia de corrupção e o Brasil acabou levando. Mas não teve a mística que só aconteceu de novo em 1970.
Estávamos então, em plena ditadura, o Pasquim já existia, mas, assim mesmo, torcemos pelo Brasil, muitas vezes na casa do Ziraldo. Lembro de haver já esse questionamento sobre a oportunidade ou não de torcer pelo Brasil. A seleção tinha sofrido uma intervenção militar do governo Médici. Dario, o Dadá Maravilha foi imposto, João Saldanha tirado do cargo e Zagalo levou o Brasil ao tri inédito. Foi uma seleção inesquecível, que dava prazer de ver e os gritos de gol eram dados sem vergonha nenhuma. Foi claramente uma seleção instrumentalizada pela ditadura, mas não tirou o brilho da vitória. Eram outros tempos e não havia a polarização do país como agora. Todos éramos contra a ditadura então, a seleção era nossa, tomamos conta dela e da bandeira e sabíamos disso. O resto virou História.
Só sei que o Brasil levou mais 24 anos para conquistar de novo a Copa. Sintomático, principalmente depois da edição de 1982 em que quase vencemos, mas fomos engolidos pela Itália de Paolo Rossi que mandou pra casa talvez o melhor time do Brasil. Sinal de que nem sempre o melhor time vence. Em 1982 tínhamos uma grande seleção. Eu torcia e gritava. O Brasil também, gritava e festejava a volta à Democracia, mas a seleção não trouxe o caneco.
Em 1994, apesar da tensão, da dificuldade, foi uma Copa em que torci. A disputa de pênaltis da final em que o italiano Baggio isolou a bola me provocou um grito também, mas um grito de alívio, de tensão liberada que parece que o chute do italiano fez estourar. O Brasil venceu a Copa com um erro do adversário. Mas dane-se. Futebol é isso mesmo.
Em 2002 tivemos a Copa da Ásia e a vitória do Lula, mas a Copa foi estranha apesar do Ronaldo fenômeno. Foi uma festa diluída em que a vitória do Lula acabou compensando. Entrávamos na era da não Copa e da conspiração contra o metalúrgico eleito presidente. Por isso agora essa Copa assume uma importância especial. Passaram-se 20 anos. Podemos até não ganhar. Lula já ganhou e vamos reconstruir o Brasil do mesmo jeito que o futebol brasileiro precisa ser reconstruído. Espero que a pintura do Richarlison seja a imagem disso e que o futebol se associe à alegria, à festa do povo e não a um presidente fajuto. Como diz quem acredita, futebol é coisa de deus e ele sabe o que faz.
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