
O Golpe
– Reúnam as tropas. Vamos invadir o Congresso, gritou o presidente no terceiro andar do Alvorada.
– Hoje tem feirinha na frente do Congresso, presidente. Não vai dar.
Respondeu seu ajudante de ordens.
– E que tropas? Estão todos num seminário sobre a vacinação.
– Quem deu esta ordem? Sou contra a vacinação.
A raiva do presidente era evidente.
– Foi o Gen. Mourão.
– Eu já proibi a entrada do Mourão no Palácio do Planalto.
– Ele deu a ordem pelas redes sociais.
– Por isso eu quero redes sociais impressas. Quero controlar. E a polícia, cadê?
– Qual delas. A militar, a civil, a parlamentar?
– A milícia. Essa pelo menos me obedece.
– Mas pra ocupar o Congresso, presidente, vai ser difícil.
– Difícil porquê?
– Pode rolar fogo amigo. O senhor sabe…
– Verdade, nunca se sabe…
O presidente fica pensativo por uma fração de segundo. Quando o pensamento se esgota ele diz.
– Como é que eu vou dar o golpe?
– Tem o povo, presidente. O senhor pode renunciar e voltar nos braços do povo.
– Já ouvi isso em algum lugar. Será que funciona?
– Ué, o senhor não tem o povo nas mãos?
– Tenho claro, mas será que eles vão me dar uma mão e me carregar de volta ao governo? Têm as forças ocultas…
– Presidente, o senhor anda lendo livros de história?
– Eu? Claro que não! Imagina…é intuição mesmo.
– Se o senhor que fechar o congresso precisa de mais do que um cadeado ou um Lira.
– O Lira é do centrão. Não confio. Se vende fácil.
– Mas é o que temos para hoje, presidente.
– Queria um golpe como antigamente. Tanques na rua, apoio americano, apoio da Fiesp, da imprensa….
– Já não se faz mais golpes como antigamente.
– Nem na América latina. Há pouco tempo estava tudo nesse caminho. Agora, a maldita da democracia vem corroendo o poder, estabelecendo a concórdia, determinando os destinos da nação. É um horror.
– Não se aflija, presidente. Vamos dar um jeito. Onde estão seus filhos?
– Devem estar aglomerando em alguma festa, ou na praia ou em Miami.
– Cadê o Onix, o Aras. O Tex, o Jack, o Fux?
– Traduz, filho, traduz.
– Infelizmente vamos ter que adiar o golpe, presidente. Precisamos nos organizar melhor. Precisamos do apoio da imprensa, por exemplo.
– A verdadeira ou a fake?
– Qualquer uma, presidente. Precisamos da opinião do Augusto Nunes, do Alexandre Garcia, da. Ana Paula do Vôlei…
O presidente se levanta irritado.
– Até eu que sou burro e golpista não acredito nessas pessoas. É com elas que vocês acham que eu vou dar um golpe? Chama o Marcos Rogério. Ele, com aquele discurso e com aquela elegância vai saber me aconselhar.
– Mais alguém presidente? O Pazuello, o Queiroga, o Bezerra, o Pacheco?
– Não, mais ninguém.
– Nem o senador Heinze?
-Não, este não, por favor.
-O senhor não queria um golpe como antigamente. Ele é bem antigo. Estilo conservador, superado, teimoso e inútil. Perfeito para um golpe.
– Cancela tudo e liga pra Alemanha. Vou me candidatar a deputado por lá naquele partido que me adora. É isso. Vou viver num país democrático. Lá eles me aceitam como eu sou.
Pano rápido.