(Foto: Miguel Paiva)

O Golpe

7 de agosto de 2021, 17:44

– Reúnam as tropas. Vamos invadir o Congresso, gritou o presidente no terceiro andar do Alvorada.

– Hoje tem feirinha na frente do Congresso, presidente. Não vai dar.

Respondeu seu ajudante de ordens.

 – E que tropas? Estão todos num seminário sobre a vacinação.

– Quem deu esta ordem? Sou contra a vacinação.

A raiva do presidente era evidente.

 – Foi o Gen. Mourão.

– Eu já proibi a entrada do Mourão no Palácio do Planalto.

– Ele deu a ordem pelas redes sociais.

– Por isso eu quero redes sociais impressas. Quero controlar. E a polícia, cadê?

– Qual delas. A militar, a civil, a parlamentar?

– A milícia. Essa pelo menos me obedece.

– Mas pra ocupar o Congresso, presidente, vai ser difícil.

– Difícil porquê?

– Pode rolar fogo amigo. O senhor sabe…

– Verdade, nunca se sabe…

 O presidente fica pensativo por uma fração de segundo. Quando o pensamento se esgota ele diz.

 – Como é que eu vou dar o golpe?

– Tem o povo, presidente. O senhor pode renunciar e voltar nos braços do povo.

– Já ouvi isso em algum lugar. Será que funciona?

– Ué, o senhor não tem o povo nas mãos?

– Tenho claro, mas será que eles vão me dar uma mão e me carregar de volta ao governo? Têm as forças ocultas…

– Presidente, o senhor anda lendo livros de história?

– Eu? Claro que não! Imagina…é intuição mesmo.

– Se o senhor que fechar o congresso precisa de mais do que um cadeado ou um Lira.

– O Lira é do centrão. Não confio. Se vende fácil.

– Mas é o que temos para hoje, presidente.

– Queria um golpe como antigamente. Tanques na rua, apoio americano, apoio da Fiesp, da imprensa….

– Já não se faz mais golpes como antigamente.

– Nem na América latina. Há pouco tempo estava tudo nesse caminho. Agora, a maldita da democracia vem corroendo o poder, estabelecendo a concórdia, determinando os destinos da nação. É um horror.

– Não se aflija, presidente. Vamos dar um jeito. Onde estão seus filhos?

– Devem estar aglomerando em alguma festa, ou na praia ou em Miami.

– Cadê o Onix, o Aras. O Tex, o Jack, o Fux?

– Traduz, filho, traduz.

– Infelizmente vamos ter que adiar o golpe, presidente. Precisamos nos organizar melhor. Precisamos do apoio da imprensa, por exemplo.

– A verdadeira ou a fake?

– Qualquer uma, presidente. Precisamos da opinião do Augusto Nunes, do Alexandre Garcia, da. Ana Paula do Vôlei…

O presidente se levanta irritado.

– Até eu que sou burro e golpista não acredito nessas pessoas. É com elas que vocês acham que eu vou dar um golpe? Chama o Marcos Rogério. Ele, com aquele discurso e com aquela elegância vai saber me aconselhar.

– Mais alguém presidente? O Pazuello, o Queiroga, o Bezerra, o Pacheco?

– Não, mais ninguém.

– Nem o senador Heinze?

-Não, este não, por favor.

-O senhor não queria um golpe como antigamente. Ele é bem antigo. Estilo conservador, superado, teimoso e inútil. Perfeito para um golpe.

– Cancela tudo e liga pra Alemanha. Vou me candidatar a deputado por lá naquele partido que me adora. É isso. Vou viver num país democrático. Lá eles me aceitam como eu sou.

 Pano rápido.

Escrito por:

Cartunista, diretor de arte e ilustrador além de jornalista, comentarista e autor de teatro, cinema e televisão.

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