Ex-governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (Foto: Agência Brasil)

O ex-governador Luiz Fernando Pezão conta ao 247 os bastidores da intervenção federal no estado

1 de agosto de 2023, 10:31

Em entrevista, hoje, (01/07) ao Giro das Onze, no 247, sob o comando de Gustavo Conde, o ex-governador do Rio de janeiro, Luiz Fernando pezão, descreveu os dias que precederam a intervenção federal em seu estado, e de como encarou esse período de turbulência. Poucos sabem, mas o ex-governador Pezão, 68 anos, foi inocentado depois do que ele mesmo define como um intenso processo de lawfare, e de ter sido condenado, no âmbito da Lava-Jato, que no caso do Rio foi orquestrado pelo juiz Marcelo Bretas – afastado desde fevereiro deste ano (2023), de suas funções, pelo Conselho Nacional de Justiça -, por suposto desvio de conduta na análise de processos.

O CNJ também instaurou procedimento para investigar Marcelo Bretas, por suposto desvio de conduta na análise de processos. O CNJ também instaurou procedimento para investigar o juiz, que chegou a condenar Pezão a 98 anos, 11 meses e 11 dias.

Depois de cumprir um ano e meio de prisão, o ex-governador foi absolvido em 12 de abril deste ano, pela Primeira Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) por maioria. A denúncia acusava Pezão de ter recebido propina entre os anos de 2007 a 2014, quando foi secretário de obras e vice-governador no governo de Sérgio Cabral. Hoje, recompõe a vida e se mantém afastado da política.

Luiz Fernando Pezão, ex-governador do Rio por dois mandatos (2014 a 2018), mora atualmente em Piraí, a 90 km da capital, no Vale do Paraíba, no Sul Fluminense, onde curte dois netos e a vida pacata da cidade, de cerca de 30 mil habitantes, onde nasceu. Foi lá que ele despontou para a política, tendo sido eleito prefeito de Piraí por dois mandatos.

No Rio, em pleno exercício do segundo mandato, foi arrolado na “Operação Boca de Lobo”, pelas mãos do juiz Marcelo Bretas, hoje desmoralizado e sem poder exercer a atividade. Foi acusado por Raquel Dodge, – e por isto tem grande mágoa da ex-Procuradora Geral da República -PGR –, em coletiva de imprensa, de ter desviado R$ 39 milhões dos cofres públicos. Segundo ele, Dodge não apresentou provas, não conseguiu trazer à luz esses milhões que atribuiu a Pezão, e por isto ele atualmente a desafia a trazer à luz esses milhões. “Se ela conseguir provar e demonstrar, ela pode ficar com R$ 38 milhões e me dá R$ 1 milhão, que eu vou levar uma vida tranquila”, diz, em tom de pilhéria.

Além da prisão, das acusações que restaram – com a sua absolvição pelo TRF-2 -, infundadas, o ex-governador passou pela experiência de uma intervenção federal, que para alguns, o relegou a uma condição de “rainha da Inglaterra”, ou seja, tem o governo, mas não tem o poder. Hoje, olhando para o seu passado recente, ele nega que tenha perdido totalmente o poder. Para ilustrar, avalia que a intervenção não foi de todo mal, pois lhe permitiu usar o seu tempo para sistematizar um projeto de recuperação de finanças do Rio, combalidas desde 2015, quando o ex-vice-governador, Francisco Dornelles, que assumiu a função, interinamente, chamou uma “Garantia da Lei e da Ordem – GLO”. Na época, Dornelles argumentou que seria para contornar a situação financeira do estado, que naquele momento, era de “calamidade pública”.

Dali por diante, o Rio foi às cambalhotas, levando as rebarbas de uma sintonia fina com os governos Lula e Dilma, com os quais o governador Luiz Fernando Pezão estabeleceu excelentes relações. Com a corda no pescoço, em 2016, a perspectiva de realização dos Jogos Olímpicos e já com o processo de impeachment de Dilma Rousseff em marcha, Pezão foi acometido de um câncer, o que tornou ainda mais dramática a sua situação como governador e do ponto de vista pessoal.

Na conjuntura em que se deu a intervenção federal, o ex-governador estava sem argumentos para rejeitá-la. Pelo contrário, aceitou por ter consciência de que não suportaria chegar ao fim do governo sem a ajuda financeira que os militares, em conluio com Michel Temer – presidente de ocasião -, teria a oferecer. Hoje, acha mesmo que houve um estrangulamento financeiro conveniente, que colocou em dificuldade extrema governadores de todo o espectro político. Foi de Ronaldo Caiado, de Goiás, a Colombo, em Santa Catarina, passando principalmente por Fernando Pimentel, em Minas Gerais, um amigo de Dilma.

Na ocasião em que Temer sacou do bolso do colete a “solução”, a bordo de uma matéria sensacionalista do Jornal Nacional, mostrando um arrastão de jovens em situação de rua, na Vieira Souto, área mais nobre do Rio, ele precisava tirar o foco do noticiário de cima da sua derrota na Câmara, com um projeto de reforma da Previdência, que embalaria também a candidatura de Rodrigo Maia, o presidente da Câmara, então no DEM (antigo PFL), para a presidência.

No mesmo contexto seu pai, o ex-prefeito do Rio, Cesar Maia, queria voltar ao poder candidatando-se ao cargo de governador. Na reunião em que Pezão se viu acossado para aceitar a intervenção federal, em troca de verbas federais, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia se rebelou. Estavam presentes àquela reunião, além de Maia e o então governador, o presidente do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB), o ministro da secretaria Geral, Moreira Franco – que vem a ser sogro de Maia -, o ministro da Justiça, Raul Jungmann, e os generais Braga Neto e Sergio Etchegoyen (ao maior entusiasta da ideia). Tanto ele quanto o general Villas Boas, comandante Geral do Exército, na ocasião – que Pezão ressalva não estar presente -, queriam fazer do Rio um “laboratório”, exportando a iniciativa para o restante do país. A essa declaração, Marielle Franco, que viria a ser morta duas semanas depois, no dia 14 de março, juntamente com o seu motorista, Anderson Gomes, respondeu no Twitter: “Então somos todos cobaias???”.

Roubo de R$ 1.500,00 motivou intervenção federal

Para se fazer uma intervenção Federal, de acordo com o artigo 34 da Constituição Federal, no Inciso III, somente a recomenda em casos de “por termo a grave comprometimento da ordem Pública”. Pouco importou a temer e aos generais, que o motivo de a decretar no Rio fosse insustentável. Basta dizer que o “produto do roubo”, resultado do “arrastão” na Vieira Souto, na madrugada de segunda para terça-feira de carnaval, em 12 de fevereiro de 2018, havia sido um cordão de ouro, R$ 1.500,00 e dois menores apreendidos. Importava, porém, “arrumar” o cenário político o mais rápido possível e pavimentar a avenida para o retorno dos militares ao poder, nas eleições presidenciais que se avizinhavam. Michel Temer, que chegou a poder auxiliado pela conspiração de Villas Boas e Etchegoyen, precisava devolver a gentileza, garantindo que a passagem tranquila para algum deles.

Para Pezão, a situação de acometido por um câncer fulminante – 16 tumores na coluna – e de governador encalacrado, restava passar o pires e garantir, usando a privatização da Cedae, empresa de serviços de fornecimento de água do Rio de Janeiro – como trunfo. Com a privatização, colocar as contas mais ou menos em ordem e tocar o governo, até a entrega do poder. A privatização, veio mais tarde, já no governo Castro, e legou uma excelente quantia (R$ 2,2 bilhões) aos cofres do Rio. Pezão não chegou a  não entregar o poder.

Simplesmente porque, por ordem do juiz Marcelo Bretas, braço foi acordado às 6h do dia 29 de novembro daquele ano, com um batalhão de “federais” armados dentro do palácio. Aturdido, de pijama, ao lado da esposa, ainda de camisola, recebeu voz de prisão. Até no banho, que pediu fosse consentido, antes de sua ida para uma cela, foi seguido por um policial que lhe apontava um fuzil, do lado de cá do blindex do box do banheiro. 

Enquanto o panorama político de Brasília era o de desviar a atenção das sucessivas derrotas de Michel Temer e a disputa para as eleições vindouras, no Rio o que estava em disputa era uma vaga para o Tribunal de Contas do Estado. A briga era entre o deputado Domingos Brazão (PMDB) e Edson Albertassi, do mesmo partido. A escolha pendia para Brazão, mas o deputado pelo PSOL, Marcelo Freixo, decidiu que ele não preenchia os pré-requisitos do cargo e entrou com uma ação para impedi-lo. Freixo que já era visado por ter conduzido uma CPI das milícias e por trabalhar para desbaratar uma verdadeira quadrilha na cúpula da Alerj, de corrupção com a Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor), agora provocava a sua ira impedindo-o de ir para o TCE.

Brazão acabou sendo o escolhido para preencher a vaga no TCE, mas foi acusado de mandar matar a correligionária de Marcelo Freixo, Marielle Franco, e seu motorista, Anderson Gomes. Conseguiu livrar-se da acusação, mas com a delação na semana passada, de Élcio Queiroz, o ex-policial que conduziu o Cobalt prata na noite do crime, seu nome voltou a ser apontado como mandante, tendo como motivação, vingar-se de Freixo. Um motivo que Pezão descarta por considerar frágil demais. Ele também não acredita que tenha envolvimento do jogo do bicho, no assassinato, mas não sabe dizer o que teria levado Marielle à morte. Talvez, argumenta, a questão fundiária. “Esta é uma questão complicada. Eu lidei com isso quando fizemos obras na Baixada, em Caxias. O cara tinha um areal. Chegou a explodir uma retroescavadeira para impedir a obra. Jogou lá, para interromper os trabalhos”.

Ele não quer arriscar a dar palpites. Lembra de ter se colocado imediatamente após a morte da vereadora, à disposição da família, e de tê-los recebido em palácio. No dia, declarou que o crime era “uma extrema covardia” e prometeu viabilizar o que fosse possível para as investigações “para a punição dos autores desse crime hediondo que tanto nos entristece”.

Na contramão da emoção que paralisou o país, Temer cantou loas à intervenção que criou o clima propício ao desfecho de Marielle: “A intervenção federal decretada na segurança do Rio de Janeiro visou acabar com esse banditismo desenfreado que se instalou na cidade por força das organizações criminosas, antes que o crime destrua nosso futuro”, disse Michel, sem mencionar os familiares. Sem dirigir uma palavra de conforto à filha que Marielle acabara de deixar. Destruindo, ele sim, o futuro do país, ao possibilitar a chegada ao poder de Bolsonaro e seus generais, que pretendiam levar “o Brasil para a direita”, como prometeu a Villas Boas, em cerimônia logo depois de sua posse na presidência.

Luiz Fernando Pezão hesita entre escrever suas memórias, como quer a sua esposa, ou voltar à vida política, um pedido de seus conterrâneos, que o querem de volta na prefeitura de Piraí, para desespero dela. Pezão, no momento, dedica-se a cuidar de dois netos pequenos, da saúde e de recompor a vida. “Nem conta no banco eu podia ter mais”, resume.

Nunca é demais lembrar que o interventor Walter Braga Neto passou a ter o controle operacional de todos os órgãos estaduais de segurança pública, que abrangia: Polícia Civil e demais órgãos da Secretaria de Estado de Segurança; Sistema de Administração Penitenciária e do Corpo de Bombeiros Militar e podia requisitar pessoal e serviços destes órgãos para emprego nas ações de segurança pública por ele determinadas. A intervenção federal no Rio acabou em 31 de dezembro de 2018, deixando atrás de si um recorde de homicídios da ordem de 1532 casos e intocada a investigação sobre a morte de Marielle Franco e Anderson Gomes. Por cinco anos não se teve notícias significativas das investigações, retomadas agora, pelo ministro da Justiça, Flávio Dino.

Escrito por:

Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora-pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" e "Imaculada", membro do Jornalistas pela Democracia

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