
No divã do Dr. Freud (de novo)
CLIENTE
– Valeu aê por ter vindo, doutor.
ANALISTA
– Eu não tive escolha. Seus filhos praticamente me sequestraram.
CLIENTE
– Eles são mal educados e estão preocupados comigo. Eleição deixa todo mundo tenso.
ANALISTA
– Mas eu estava tranquilo na memória das pessoas, nos livros de psicanálise, nos sonhos de todo mundo e vocês foram lá me buscar.
CLIENTE
-Me dá uma força, doutor. Não consigo nem explicar o que está acontecendo. Estou sentindo umas coisas estranhas.
ANALISTA
– Se chama intuição.
CLIENTE
– Boa intuição?
ANALISTA
– Péssima. O senhor está sentindo que vai perder. É isso e não é fantasia, é verdade.
CLIENTE
– Preciso de ajuda, um remedinho, umas palavras mágicas…Não nasci para participar de debates.
ANALISTA
– E o senhor segue conselhos? Se seguisse não teria feito tanta merda.
CLIENTE
– É que eu sei tudo, estou sempre certo. Os outros é que são o problema.
ANALISTA
– Não dá pra fazer uma sessão de terapia de grupo com o país todo. Mais fácil tratar do senhor.
CLIENTE
– Todo mundo reclama da minha truculência, da minha agressividade, do meu jeitinho de ser.
ANALISTA
– Não tenho explicação psicológica pra isso. É fascismo mesmo.
CLIENTE
– Também dizem que eu trato mal as mulheres, sou a favor do feminicídio, acho que os homens são superiores e só tive uma filha mulher por conta de uma fraquejada.
ANALISTA
– As mulheres não perdoam.
CLIENTE
– Mulher tem que ficar em casa.
ANALISTA
– Mas a sua está na campanha.
CLIENTE
– Só pra falar de religião…
ANALISTA
– Não sou chegado. Também não posso falar nada.
CLIENTE
– O senhor acredita em Deus?
ANALISTA
– Eu não, e o senhor?
CLIENTE
– Cä entre nós…deixa pra lá.
ANALISTA
– Seu tempo está quase acabando. Preciso voltar para a História.
CLIENTE
– Peraí doutor, todo mundo diz que eu sou maluco, doidão, fora da casinha. O senhor concorda?
ANALISTA
– Quem sou eu para julgar isso. O que eu sei é que seu caso não é pra mim. É um caso de polícia.
CLIENTE
– Não foi pra isso que eu lhe chamei…
ANALISTA
-Chamou?
CLIENTE
– Enfim, preciso dos seus conselhos. O que eu faço se o barbudo ganhar?
ANALISTA
– Fica na sua. Deixa a festa acabar e vai durar, e depois. se for possível, some ou se entrega.
CLIENTE
– No sentido real ou figurado?
ANALISTA
– Nos dois. O senhor foi uma contingência dessa virada do mundo à direita, mas uma contingência inesperada, surpreendente. Nem quem apostava no senhor achou o resultado bom. Direita eles até querem, mas com o senhor, não conseguem implantar o projeto deles.
CLIENTE
– Pô, doutor, assim vou me sentir rejeitado.
ANALISTA
– Vamos aguardar o dia 2 de outubro para saber se o senhor está se sentindo rejeitado ou está de fato sendo rejeitado.
CLIENTE
– Não entendi.
ANALISTA
– Normal. Seu tempo acabou. Posso ir embora?
CLIENTE
– Só um minuto. É que tem uma fila enorme lá fora de gente querendo uma sessãozinha também.
ANALISTA
– Jura?
Ele abre a porta e grita para a fila enorme que se forma.
CLIENTE
– Ciro, vem, pode entrar