(Foto: Miguel Paiva)

No divã do Dr. Freud (de novo)

28 de agosto de 2022, 18:05

CLIENTE

– Valeu aê por ter vindo, doutor.

ANALISTA

– Eu não tive escolha. Seus filhos praticamente me sequestraram.

CLIENTE

– Eles são mal educados e estão preocupados comigo. Eleição deixa todo mundo tenso.

ANALISTA

– Mas eu estava tranquilo na memória das pessoas, nos livros de psicanálise, nos sonhos de todo mundo e vocês foram lá me buscar.

CLIENTE

-Me dá uma força, doutor. Não consigo nem explicar o que está acontecendo. Estou sentindo umas coisas estranhas.

ANALISTA

– Se chama intuição.

CLIENTE

– Boa intuição?

ANALISTA

– Péssima. O senhor está sentindo que vai perder. É isso e não é fantasia, é verdade.

CLIENTE

– Preciso de ajuda, um remedinho, umas palavras mágicas…Não nasci para participar de debates.

ANALISTA

– E o senhor segue conselhos? Se seguisse não teria feito tanta merda.

CLIENTE

– É que eu sei tudo, estou sempre certo. Os outros é que são o problema.

ANALISTA

– Não dá pra fazer uma sessão de terapia de grupo com o país todo. Mais fácil tratar do senhor.

CLIENTE

– Todo mundo reclama da minha truculência, da minha agressividade, do meu jeitinho de ser.

ANALISTA

– Não tenho explicação psicológica pra isso. É fascismo mesmo.

CLIENTE

– Também dizem que eu trato mal as mulheres, sou a favor do feminicídio, acho que os homens são superiores e só tive uma filha mulher por conta de uma fraquejada.

ANALISTA

– As mulheres não perdoam.

CLIENTE

– Mulher tem que ficar em casa.

ANALISTA

– Mas a sua está na campanha.

CLIENTE

– Só pra falar de religião…

ANALISTA

– Não sou chegado. Também não posso falar nada.

CLIENTE

– O senhor acredita em Deus?

ANALISTA

– Eu não, e o senhor?

CLIENTE

– Cä entre nós…deixa pra lá.

ANALISTA

– Seu tempo está quase acabando. Preciso voltar para a História.

CLIENTE

– Peraí doutor, todo mundo diz que eu sou maluco, doidão, fora da casinha. O senhor concorda?

ANALISTA

– Quem sou eu para julgar isso. O que eu sei é que seu caso não é pra mim. É um caso de polícia. 

CLIENTE

– Não foi pra isso que eu lhe chamei…

ANALISTA

-Chamou?

CLIENTE

– Enfim, preciso dos seus conselhos. O que eu faço se o barbudo ganhar?

ANALISTA

– Fica na sua. Deixa a festa acabar e vai durar, e depois. se for possível, some ou se entrega.

CLIENTE

– No sentido real ou figurado?

ANALISTA

– Nos dois. O senhor foi uma contingência dessa virada do mundo à direita, mas uma contingência inesperada, surpreendente. Nem quem apostava no senhor achou o resultado bom. Direita eles até querem, mas com o senhor, não conseguem implantar o projeto deles.

CLIENTE

– Pô, doutor, assim vou me sentir rejeitado.

ANALISTA

– Vamos aguardar o dia 2 de outubro para saber se o senhor está se sentindo rejeitado ou está de fato sendo rejeitado.

CLIENTE

– Não entendi.

ANALISTA

– Normal. Seu tempo acabou. Posso ir embora?

CLIENTE

– Só um minuto. É que tem uma fila enorme lá fora de gente querendo uma sessãozinha também.

ANALISTA

– Jura?

Ele abre a porta e grita para a fila enorme que se forma.

CLIENTE

– Ciro, vem, pode entrar

Escrito por:

Cartunista, diretor de arte e ilustrador além de jornalista, comentarista e autor de teatro, cinema e televisão.

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