Montesquieu, Lula e o protoimperador
Dizem que o sonho de Arthur Lira é ser o Eduardo Cunha de Lula. Um sonho difícil de se concretizar. Lula tem talento e articulação política acumuladas em mais de meio século como político e líder sindical. Sabe muito bem como lidar com situações desfavoráveis.
Já Lira tem know how em espertezas, de fazer inveja até ao seu mestre, Eduardo Cunha. Mas tem um armário de esqueletos em sua carreira política. Um desses prováveis armários foi aberto ontem, quinta-feira (01/06), numa operação da PF que investiga fraude em licitação e lavagem de dinheiro para a compra de kits de robótica, em Alagoas. Um cofre abarrotado de dinheiro foi encontrado pelos policiais em imóveis de aliados do presidente da Câmara. Preocupado, Lira teria perguntado ao ministro da Justiça, Flávio Dino se a operação tinha alguma relação com as dificuldades impostas por ele para a aprovação da MP da reestruturação dos ministérios. Dino negou, disse que o governo atual não tem nenhuma ingerência nas operações da PF.
Mas o “Pirata das Alagoas” não se deu por vencido e ainda teve ousadia para cantar de galo contra o presidente Lula: “Espero que todos os alertas que foram feitos tenham servido… um alerta para o governo, uma chacoalhada, para que ele realmente se posicione”
Na realidade, Lira sente saudades do governo Bolsonaro, que, por não saber e não desejar, abriu mão de governar, entregando as chaves do orçamento a Lira, através de emendas secretas. Não à toa, já se queixou publicamente que o governo precisa dividir. Mas dividir o que? A administração do país.
Ao chantagear e acossar Lula nas votações da Câmara, Lira tenta inviabilizar os acordos de coalização do governo no parlamento nacional.
A MP que foi votada quarta-feira, ao afogadilho, com o prazo vencendo, diz respeito à organização e funcionamento da administração federal. Isso é matéria de competência exclusiva do executivo.
O atraso na votação das MPs foi causado pela intransigência de Lira quanto ao rito das votações. O presidente da Câmara queria que as votações ocorressem como na pandemia, direto no Plenário, sem passar por comissões, o que empodera a Câmara. O Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, insistia que a Constituição deveria ser cumprida, uma vez cessadas as restrições sanitárias por conta da COVID-19. Essa disputa atrasou o início das votações das MPs, que precisam ser aprovadas pelo Congresso nacional em 180 dias, se não, perdem a validade. A disputa entre os presidentes das casas legislativas foi vencida por Pacheco e seguiu-se a tortuosa votação das MPs na Câmara. Para apagar o incêndio, Lula teve que abrir os cofres e liberar 1,7 bilhão de emendas do orçamento para os deputados.
No meio da operação, surge o elemento inesperado: Montesquieu, o festejado autor do livro Espírito das Leis, clássico no qual se estabeleceu a base da tripartição dos poderes, que inspirou a Constituição Norte-Americana e a brasileira.
A questão é que Lira se arvora imperador, Rei, Primeiro Ministro e tudo mais. Em meio a tudo isso, o terceiro Poder, representado pelo STF, entra em campo para conter a sanha do protoimperador Lira e o desequilíbrio entre os poderes. De uma só vez, suspendeu a tramitação de uma ação de Lira contra Renan Calheiros, que tramitava em justiça de primeiro grau, e o Ministro André Mendonça entendeu ser de competência do STF; também o Ministro Toffoli liberou para julgamento um recurso de Arthur Lira nos autos de uma ação penal, da qual é réu. O STF foi fundamental nesse intrincado xadrez do poder.
Os problemas do governo Lula foram escancarados nesta semana, com a aprovação na Câmara, do projeto do marco temporal para demarcações de terras indígenas e com as dificuldades impostas na votação da medida provisória que estrutura os ministérios. Lira criou dificuldades para oferecer facilidades. Para tornar a agenda legislativa do governo “mais tranquila”, apresentou ao presidente da República um pacote de pedidos que inclui o comando de quatro ministérios.
Interlocutores do governo no Congresso contam que Lira quer emplacar aliados no Ministério da Saúde e nas três pastas hoje comandadas por indicados do União Brasil, partido que não tem dado o apoio esperado ao governo, apesar de ocupar grande espaço na Esplanada dos Ministérios. Segundo apurou reportagem do Metrópoles, o presidente da Câmara defende entregar essas pastas para partidos que hoje não estão no primeiro escalão, como o PP, sua própria legenda, e o Republicanos.
Para enfrentar as dificuldades impostas por Lira, Lula conta com a atuação republicana do presidente do senado, Rodrigo Pacheco.
Também pretende compor maioria parlamentar, negociando em separado com as lideranças partidárias, as demandas das bancadas.
De fato, o momento politico é diferente dos outros mandatos do presidente Lula. Muito diferente também a composição do Congresso Nacional, o mais conservador e fisiológico de há muito tempo. Nesse contexto, a inegável habilidade politica do Presidente Lula é fundamental para o tão esperado e desejado avanço do nosso país.