Mesmo em silêncio, Bolsonaro continua um poço de infâmia.
As últimas aparições de Jair Bolsonaro têm sido silenciosas, entrecortadas, aqui e alhures, por lágrimas suspeitas que nunca escorrem: precisam ser trazidas ao rosto por esfregões desajeitados das costas das mãos, até formarem um caminho úmido – um choro mais deduzido que, de fato, visto. Num arremedo de posição militar de descansar, Bolsonaro adotou uma postura perdida, quase indiferente, que lhe acentua a expressão de parvo agravada pela composição geral do rosto cada vez mais mal encaixado na moldura de cabelos sebosos, olhos irritados e uma boca que, quando se abre, sibila impropérios trazidos de uma podridão realçada pela aparência desagradável dos dentes e pela textura seca dos lábios, em cujos cantos se acumulam uma baba branca, viscosa, somática.
Em eventos militares, onde antes se sentia à vontade cercado de generais submissos e bajuladores de farda, em geral, Bolsonaro abandonou a fanfarronice e retirou de forma a verborragia que lhe conferia ares de tiranete centro-americano, obrigando a escumalha que costuma rodeá-lo a rir de piadas estúpidas e surtos de racismo. Nos últimos dias de seu malfadado mandato, Bolsonaro tem subido nos palanques de academias militares, mas o que se percebe é só um corpo abandonado. A alma atormentada do falastrão de extrema-direita se recolheu em algum inferno particular e parece aprisionada pelos demônios que antes lhe permitiam amar torturadores e debochar de moribundos sem ar, impunemente.
Nas poucas vezes que falou, não foi entendido, mas envolto em interpretações que se prestam a dar verniz estratégico – quando não, messiânico – a falas absolutamente estúpidas e sem sentido, montadas sobre o escombro de clichês que resumem o arremedo de atividade intelectual que o presidente, nos últimos quatro anos, fingiu ter para dar algum sentido à vida do bando de fanáticos e debiloides perfilados no cercadinho especialmente montado para eles, na entrada do Palácio da Alvorada.
Ainda assim, na maior parte do tempo, de novo em posição de descansar, a barriga como um saco de feno estufado entre os botões da camisa, ele insiste no choro enganador de cortador de cebola. Ouve orações berradas, do outro lado do fosso que separa o Jardim das Emas do asfalto, pela horda de siderados que vive acampada, hoje, em frente ao Quartel General do Exército. Balbucia alguma filosofia de quartel, aguenta os últimos espasmos de histeria e se retira para os fundos da bela residência oficial a fim de, outra vez, macular com sua presença sórdida – e perebenta – a obra imortal de Oscar Niemeyer.
Mas não por muito tempo.