Mendonça, o dilema e a reedição do circo de horrores
O ministro André Mendonça, do STF, afirmou em uma palestra em São Paulo, ainda em abril deste ano, que o julgamento dos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro, o colocava em um dilema. Segundo André Mendonça, é necessário fazer um pente fino para separar os detidos nos acampamentos do QG do exército em Brasília, daqueles que foram presos em flagrante, depredando prédios dos três poderes. O magistrado fez questão de deixar claro que não vai ceder a pressões, só não explicou de quem viriam essas pressões: “Então tenho aqui dois grandes dilemas. A questão do juiz natural, e tenho a questão entre quais os contornos que eu vou dar na interpretação das condutas diante do marco positivado dos crimes: a questão do dolo, a questão da culpabilidade, a questão dos limites da liberdade de expressão”, afirmou Mendonça.
Ou seja, o ministro terrivelmente evangélico de Bolsonaro, diz estar em meio a um dilema. Mais um. O outro, ao que temos visto, é decidir com base tão somente na Constituição Federal, ainda que contrarie as regras de costumes da fé que professa – a Bíblia. Embora estejamos (ainda) em um estado laico, esse “coração cindido” do ministro que foi alçado ao STF com a credencial máxima de “terrivelmente evangélico”, já é bem conhecido de todos nós e permeia suas declarações.
Na data de ontem (02/10), quando o STF, em julgamento no plenário virtual, já havia formado maioria para a condenação de uma nova leva de golpistas, o Ministro André Mendonça pediu destaque e vista. Em termos práticos, interrompeu o julgamento para que o processo seja levado a uma sessão em plenário físico, em data futura que nenhum de nós sabe. A decisão do Ministro se fundamenta na necessidade de individualização da conduta, e isto exigiria julgamento em plenário físico. Exatamente esse o argumento dos advogados dos réus.
A verdade tão desejada e necessária, já está exposta nos autos dos processos e justamente por isto, a maioria dos Ministros já havia se posicionado pela condenação. Lembro que os processos desses primeiros réus julgados já reúnem grande acervo de provas, inclusive provas genéticas (sim, vimos os materiais genéticos grotescamente deixados pelos golpistas nos prédios devastados). Aqui, não resisto a uma citação, que deveria jogar luz à narrativa oportunista do ministro. O Salmo 119:142, que afirma: “A tua justiça é uma justiça eterna, e a tua lei é a verdade.”.
A verdade e o conceito de justo, nesse caso, senhor Ministro, está do lado dos que defendem o estado democrático de direito. Não respaldam a conduta de fanáticos extremistas de direita que defendem um golpe para implantar um estado autocrático tutelado por um poder armado. Um grupo que ateou fogo em carros, ônibus e no prédio da PF no dia da diplomação de um presidente legitimamente eleito. De radicais terroristas, que no intuito de impor uma ditadura no país, pretendiam por pelos ares o aeroporto de Brasília, explodindo uma bomba colocada num caminhão carregado de combustível.
Por tudo isso, só me resta crer que o Ministro não tem dúvida, tem lado. E um lado bastante claro: do ex-presidente, terrivelmente armamentista e seu bando que tentou (e quase conseguiu) solapar a democracia.
O pedido de vista e destaque para levar o julgamento para o plenário presencial, abriu espaço para uma reedição daquele espetáculo grotesco, exibido ao vivo pela TV Justiça, que nos constrangeu com toda espécie de absurdidades: desde citações literárias erradas, choros, e ataques de ódio aos ministros do STF. Tudo isso em algumas sustentações orais performáticas, que de nada aproveitaram aos réus. Uma cena patética, que alimentará a questão pulsante e o engajamento da horda bolsonarista.
Até ontem, o julgamento em plenário virtual transcorria normalmente, viabilizando a correta e justa aplicação da lei, sem o caráter midiático. Agora, a lona do circo será armada novamente.
Lembro que no seu voto no julgamento anterior, em plenário físico, além de tentar atribuir a culpa da devastação à própria vítima – o governo recém-empossado, o Ministro André Mendonça afirmou que aqueles réus não tentaram dar um golpe, pois não havia planejamento. Sua ideia estreita de golpe só contempla a intervenção das forças armadas. Bem sabemos que não é assim; que por muito pouco, escapamos; que se não houver uma reprimenda exemplar aos golpistas, as intentonas golpistas se repetirão.
Concluo aqui com a impressão de que a grande devastação nacional do dia 8 de janeiro – chamado dia da infâmia, aos olhos do Ministro André Mendonça, parece mesmo ter sido um passeio, um domingo no parque. Torço e espero que a reviravolta no julgamento, causada pelo Ministro André Mendonça, não inviabilize a punição daqueles que atentaram tão covardemente contra a democracia e contra o País.