Marçal: pior do que está, fica
Tenho visto muitas pessoas reclamando do espaço dedicado ao candidato Pablo Marçal nos sites de notícias e nos programas jornalísticos. Queixam-se de que estão dando importância exagerada para a eleição de São Paulo, em detrimento dos demais municípios e até mesmo de algumas notícias diferentes das eleições.
Não concordo e explico. Além da obviedade de que tipos como Pablo Marçal são uma ameaça real ao próprio gênero humano, a questão que está em jogo agora é maior do que a pessoa do candidato e do que a cidade em que ele disputa a eleição. A questão posta é a disrupção que Pablo Marçal representa, a forma como se coloca na campanha eleitoral e que, se normalizada, certamente dará a tônica daqui por diante, capturando e subvertendo completamente o processo eleitoral, já tão desgastado por Bolsonaro e os seus. O ex-presidente, a despeito de se vender como outsider da política, sempre foi um personagem bem alinhado ao sistema que tanto critica, mas serve. Bolsonaro vem do baixíssimo clero do Congresso Nacional, já foi filiado a uma infinidade de partidos fisiológicos e, tanto ele quanto seus filhos, ocuparam e ocupam vários mandatos parlamentares. Ou seja, mesmo atacando os poderes constituídos, o ex-presidente compôs com o que existe de pior na política nacional. Na presidência da República, atendeu aos interesses do sistema que atacava, nomeando nomes experientes e de sua confiança para cargos no STF, Procuradoria-Geral da República e Controladoria-Geral da União. A ruptura democrática que desejou, planejou e por pouco não conseguiu, preservava os interesses que o próprio Bolsonaro representava (e representa), numa reprodução do modelo instituído pela ditadura militar.
Pablo Marçal é a personificação da disrupção, do queimar pontes e navios com qualquer sombra de institucionalidade e mesmo de civilidade. Prova disto é o novo “modelo de campanha” que instituiu: cria competições remuneradas entre seus milhares de seguidores para publicação de conteúdos, tentando driblar leis eleitorais; usa debates e entrevistas como espaços de lacração – quando lhe fazem perguntas, diz que a resposta estará em suas redes. Ignora completamente as regras eleitorais e descumpre, sem qualquer constrangimento, as determinações da Justiça Eleitoral. Marçal não precisa dos meios ordinários de campanha; as penalidades previstas em lei e resoluções não o impedem de fazer o que bem entende. Tudo isso que vemos agora, se não for seriamente combatido pela Justiça Eleitoral, poderá ser o “novo normal” das campanhas eleitorais daqui por diante, inclusive dos novos personagens que virão a reboque do “coach-candidato”.
Uma amiga que trabalha há mais de 25 anos como advogada eleitoral diz estar assombrada com a perspectiva, cada dia mais próxima, de destruição da pólis. Entendo a angústia dela. A pólis, constituída por um aglomerado urbano, é considerada o mais importante aspecto na formatação das sociedades e no desenvolvimento da civilização. Imagine, caro leitor, o que será viver em um mundo nos moldes de Pablo Marçal, sem as normas e as leis que norteiam a convivência em sociedade? O caminho que nos trouxe até aqui foi traçado não somente pelo mau uso das novas tecnologias digitais, mas principalmente pela ganância do capital. Com o fim da União Soviética e da “ameaça do comunismo”, o capitalismo ocidental já não vê mais a necessidade de investir nas políticas de bem-estar social. Pouco a pouco, todos os direitos conquistados pelos trabalhadores no século passado estão sendo relativizados ou mesmo retirados.
Em contrapartida, nas redes sociais, o apelo ao consumo de coisas e de corpos nunca foi tão exacerbado. Busca-se o que para a maioria da população é inalcançável. É quando se popularizaram os influenciadores digitais e coaches – gente que não chegou a lugar nenhum, “ensinando” os incautos a chegarem a nenhum lugar. Nesse caldo, os discursos antissistema vão ganhando cada vez mais adeptos, até mesmo porque a política tem um timing diferente do imediatismo das redes sociais. Projetos consistentes são de longo prazo, e a percepção do brasileiro médio é de que a política não tem conseguido entregar para as pessoas as suas necessidades mais básicas, como educação, segurança, moradia, emprego, dignidade. Ou seja, ambiente mais que propício para gente como Milei e Pablo Marçal, que, de tão vazios e superficiais, se limitam a lacrar.
Ao contrário do que dizia Tiririca, pior do que está, fica.