Pocissão do Círio de Nazaré (Foto: REUTERS/Raimundo Pacco)

Mais de dois milhões de paraenses saúdam N. S. de Nazaré, nesse domingo, dessa vez sem Bolsonaro

7 de outubro de 2023, 15:48

Amanhã, 8, outubro, cerca de dois milhões de habitantes do Pará estarão na capital para louvar e agradecer. É dia do Círio de Nazaré, cujo ponto alto é a procissão fluvial aberta pela imagem da santa e seguida pelos fiéis, em embarcações de todo porte, uma tradição de cerca de 200 anos.

No ano passado, só não viu quem não quis. A eleição presidencial embicava para o segundo turno, (realizado no dia 30 de outubro), no momento mais quente do acirramento político, e Bolsonaro desembarcou em Belém no dia da festa mais tradicional daquele povo. Sua chegada foi precedida de “release” – comunicado à mídia sobre as atividades de pessoas, empresas ou instituições -, em que grafava o nome da efeméride com “S”, demonstrando um alheamento total da festa. O foco era angariar votos, fazendo frente à dona da casa e da festa: Nossa Senhora de Nazaré, e ao governador, Helder Barbalho, que defendia a candidatura do seu opositor: Luiz Inácio Lula da Silva.

Àquela altura, na disputa do primeiro turno, Lula obteve mais votos que Bolsonaro no estado. Foram 52,22% para o petista contra 40,27% para ele.

Bolsonaro chegou no final da tarde de sexta-feira, dando uma passada num evento no Hangar de Convenções e Feiras, mas o coroamento de sua ida era o sábado, quando participou da procissão fluvial ao lado dos agora se sabe, golpistas de primeiro escalão: o ex-ministro Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), das deputadas federais Bia Kicis (PLhora-DF), Carla Zambelli (PL-SP), do deputado federal Éder Mauro (PL-PA) e do deputado federal eleito delegado Caveira (PL-PA). O organizador da “excursão” foi o então comandante da Marinha do Brasil, o almirante Almir Garnier. Aquele, que prontamente declarou a sua disposição para terçar armas pelo golpe, conforme delação do tenente-coronel Mauro Cid.

O então ainda presidente não discursou na capital paraense e tampouco se aproximou da imagem de Nossa Senhora de Nazaré. Presente no “Garnier Sampaio” (nada a ver com o nome do almirante), a embarcação da Marinha que leva a imagem da Nossa Senhora de Nazaré durante a Romaria Fluvial, na manhã daquele sábado, permaneceu no andar superior do barco, enquanto a imagem chegou e ficou no piso térreo da embarcação. (Estava acima, portanto, da homenageada do dia).

A presença de Bolsonaro na Romaria Fluvial provocou reação da Arquidiocese de Belém (PA), responsável pelo Círio de Nazaré, que informou que não iria permitir “qualquer utilização de caráter político ou partidário” das atividades e que não convidou “qualquer autoridade”, seja em nível municipal, estadual ou federal, para participar das celebrações.

A nota, assinada pelo Arcebispo Metropolitano de Belém, dom Alberto Taveira Corrêa, reconhecia que a embarcação na qual Bolsonaro participa da procissão era de responsabilidade da Marinha, mas destacou que, apesar do dever de garantir a participação de “qualquer cidadão” dos eventos do Círio de Nazaré, não permitiria “qualquer utilização de caráter político ou partidário” das atividades, escreveu.

A nota da arquidiocese de Belém deu bem a medida da indignação que o arrogante gesto do então candidato à reeleição provocou na comunidade paraense. Ao mesmo tempo, a ingerência do almirante Almir Garnier na festa, deixou ver a fidelidade canina que o marinheiro devotava a Bolsonaro. Tão radical quanto os que na data o rodeavam.

Pode ser que o gesto de Bolsonaro se colocando acima da imagem de Nossa Senhora de Nazaré tenha virado votos a favor de Lula. Pode ser que a arrogância de Bolsonaro e pretensão de tentar roubar a cena em um dia encantado para os paraenses tenha causado na população o efeito contrário ao pretendido, pela coordenação de campanha. Mas pode ser também que no andar de baixo da embarcação, algo de misterioso tenha ocorrido. Nossa Senhora de Nazaré, naquele momento, pode ter se colocado ao lado daqueles que estavam no mesmo nível que ela: o andar de baixo, e no comando do curso de suas águas doces, tomou posse do leme daquela eleição.

Escrito por:

Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora-pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" e "Imaculada", membro do Jornalistas pela Democracia

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