Lula, o STF e a representatividade feminina
Há oito anos, a presidenta Dilma Rousseff era afastada da presidência da República, num golpe encabeçado por homens brancos, ricos e representantes maiores da nossa sociedade patriarcal. Um golpe despudoradamente misógino, onde vários deputados não nos pouparam da sua repulsa e aversão às mulheres. Lembro que muitos deles, ao declarar o voto, coroavam a injustiça e violência praticadas contra Dilma, dedicando seus votos, em uma cínica “homenagem” a mulheres: “Pela minha mãe! Pela minha filha! Pela minha esposa! Pela minha avó!”
E o mais machista de todos, Bolsonaro, dedicou seu voto ao monstro que torturou Dilma, quando ela era uma jovem de 23 anos.
Concluída a trama golpista, Dilma deixou o Palácio do Planalto, em agosto de 2016, da mesma forma como saiu da dos porões da ditadura militar, no final de 1972. De cabeça erguida, íntegra; uma mulher altiva, forte, preparada para a próxima batalha.
Recentemente, em razão de uma decisão do TRF1, que confirmou o arquivamento, inocentando Dilma no processo pelas tais “pedaladas fiscais”, o presidente Lula defendeu uma reparação histórica do processo que culminou com o afastamento ilegal da primeira presidente mulher do país. Como esperado, a declaração de Lula causou burburinho e indignação nos agentes idealizadores, apoiadores e executores do golpe.
Entendo que essa reparação é fundamental e não servirá somente a fazer justiça à primeira presidenta eleita do Brasil; servirá também para que se traga à tona algo que está no âmago da trama golpista e que se reflete em todas as relações sociais: a equidade de gênero, o combate ao machismo e à misoginia, a absoluta urgência de maior representatividade feminina nas esferas de poder.
No último 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o presidente Lula oficializou o envio de um projeto de lei para garantir equidade salarial entre homens e mulheres, quando na mesma função, lei esta já sancionada. Em toda a sua trajetória pessoal e política, Lula destacou seu compromisso em buscar uma sociedade mais igualitária, onde todos tenham as mesmas oportunidades, independente de cor, raça, religião ou orientação sexual. Não à toa, as mulheres, como sabemos, garantiram a vitória de Lula contra Bolsonaro.
Também lembramos da célebre cerimônia de posse do Presidente Lula, quando recebeu a faixa presidencial e subiu a rampa do Palácio do Planalto ladeado por representantes de minorias, apontando naquele momento a prioridade e compromisso do governo que ali se iniciava.
Com todas as dificuldades impostas pela necessidade de apoio parlamentar, no primeiro escalão do governo Lula, as mulheres ocupam hoje 10 ministérios. Um aumento significativo de representatividade feminina no âmbito do poder executivo, principalmente se comparado com os cargos nos principais tribunais de justiça do país.
Depois de indicar o advogado Cristiano Zanin para a vaga de Ricardo Lewandowski, no STF, a discussão agora se volta sobre o nome do próximo indicado, que irá substituir a ministra Rosa Weber, que se aposentará em setembro próximo.
Até o dia em que escrevo – 30/08, os nomes mais cotados são os de Bruno Dantas (ministro do TCU) e Jorge Messias (AGU). Ambos com qualidades reconhecidas e que gozam da confiança de Lula e de setores importantes do PT. Um cenário que aponta para a redução da representatividade feminina, já tão escassa. A se confirmar a nomeação de um dos candidatos mais lembrados, ao invés de duas ministras entre onze, restaria apenas uma.
A pergunta irresistível: não haveria mulheres igualmente qualificadas para o mais alto cargo do judiciário brasileiro, comprometidas com as causas da democracia, de reputação ilibada e notável conhecimento jurídico? A resposta é óbvia: claro que sim! Não haveria uma mulher jurista, de atuação reconhecida e preparada para ocupar o cargo de ministra da maior corte do país? Mais uma vez, a resposta é afirmativa. Os vários nomes que se colocam como candidatas à vaga no STF, reflete uma realidade que se impõe: as mulheres são hoje a maioria nas carreiras jurídicas e, embora as oportunidades não sejam as mesmas, dado o machismo estrutural que contamina nossa sociedade, muitas mulheres têm se destacado e sido lembradas nessa disputa.
Cito alguns nomes, como os das advogadas Vera Lúcia Santana, Soraia Mendes, Dora Cavalcanti, Carol Proner; da desembargadora Simone Schreiber (TRF2); das ministras Regina Helena Costa (STJ) e Kátia Arruda (TST). Todas com currículos, qualidades e pré-requisitos que as habilitam para ocupar o cargo em disputa.
A nomeação da advogada Daniela Teixeira para a vaga no STJ reservada para membros da advocacia, deve ser comemorada, mas não pode bastar.
Estamos, como nação, diante de uma oportunidade histórica para que se corrija minimamente a falta de representatividade no judiciário, inclusive nos Tribunais superiores. Nomes, biografias não faltam, e a representatividade feminina, mais do que exigência de uma sociedade plural, é uma necessidade social.
Encerro aqui meu texto, lembrando um trecho do discurso de Dilma ao deixar a presidência da república: “Às mulheres brasileiras, que me cobriram de flores e de carinho, peço que acreditem que vocês podem. As futuras gerações de brasileiras saberão que, na primeira vez que uma mulher assumiu a Presidência do Brasil, o machismo e a misoginia mostraram suas feias faces. Abrimos um caminho de mão única em direção à igualdade de gênero. Nada nos fará recuar”
Às vésperas da aposentadoria de uma das duas mulheres daquela Corte de 11 ministros, torçamos para que essa estatística não seja piorada.