Lula e FHC, mais que uma foto na parede
Sem querer dar muitos detalhes sobre possíveis desdobramentos do encontro ocorrido segundo a mídia, no dia 12, entre Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, resumiu: “foi uma foto”. Diferente da foto do poeta Carlos Drummond, porém, esta não é só uma foto na parede. Chega em um momento em que o país sangra e chora os seus mortos, já encostando na casa das 500 mil perdas, como previu o cientista Miguel Nicolelis e o clima no meio político é de beligerância, agressões e ódio. Abordado nas primeiras páginas dos principais jornais do país, o encontro é muito mais que uma foto. Passa o seguinte recado: “é assim que se faz”.
Adversários de longa data, (apesar de um dia terem sido parceiros), há quatro anos Lula e FHC não se viam. A bem da verdade, com motivos de sobra. Quem não se lembra das declarações recheadas de veneno, por parte do tucano, quando Lula estava preso? Não foi apenas uma vez que ele fez questão de destacar com ênfase: “Lula está preso”. Sim. Estava. E não está mais. Não só não está mais, como fez a rentrée política com o pé direito e salta das pesquisas – por enquanto – como franco favorito para vencer a corrida das eleições presidenciais de 2022. Isto, numa hora em que o PSDB de Fernando Henrique tropeça em tricas e futricas internas e é incapaz de bater martelo em torno de um nome forte para entrar na disputa. A tal terceira via.
Em apuros, vislumbrando o abismo para o qual rumamos todos, FHC topou – depois de já vir dando sinais de cansaço das críticas a Lula – comparecer ao encontro. Mais que um gesto, a imagem dos ex-presidentes de máscara (em momento de total negacionismo do outro lá) alardeia que diálogo entre diferentes é possível, que é tempo de depor armas em nome do combate ao mal maior: Bolsonaro. Quanto a Lula, sempre disposto a conversar, a negociar, mais uma vez fez valer o sindicalista que guardou em si. Mostrou que tudo fica mais fácil em volta de uma mesa.
Há quatro anos não se viam. O último encontro permitiu um abraço. Não havia a pandemia. Lula estava perdendo D. Marisa para um aneurisma e recebeu o conforto com civilidade. Testemunha da cena, o ex-chanceler, Celso Amorim, saudou o gesto: vocês passam esperança ao povo brasileiro”, limitou-se. Desde então, como na música de João Bosco, “depressa foi cada um pro seu lado”.
Lula terminou preso, um coroamento do golpe de 2016, do qual FHC participou ativamente. De tal modo que várias vezes já confessou em público que se sentiu “incomodado” por ter votado nulo e não em Fernando Haddad, um acadêmico como ele, e candidato do PT de Lula. A atitude pegou mal entre seus pares na Sorbonne, em Paris, por ter permitido o Brasil cair em mãos fascistas. “Banido” dos encontros dos intelectuais esquerdistas franceses, é possível que Fernando Henrique, vaidoso e preocupado com a própria imagem (bem lá no fundo) tenha pensado na sua reabilitação, ao retribuir o gesto de Lula. É possível.
O que se lê, no entanto, desse encontro, é que independente se vai ou não virar apoio político no primeiro ou no segundo turno de 2022, a foto traz alguns recados. A política é feita de diferenças negociáveis. O momento exige grandeza e desprendimento, em nome do resgate da paz e da esperança. Bolsonaro e suas chantagens usando os militares para talvez um golpe já não fazem nem cócegas no medo nacional. Na verdade ninguém o levou a sério. A democracia é uma aposta, sempre, entranhada na alma do país e vai continuar existindo, porque ao posar ao lado de Lula, Fernando Henrique está dizendo ao mercado: não há radicalismo em Lula. Não há polarização entre ele e Bolsonaro. Lula é a opção de agora. É pegar ou largar.
Apesar de fazer a ressalva de que o seu partido deve sair com candidato próprio, Fernando Henrique sabe que em dado instante terá que optar por Lula, pois ele é o nome que se sobrepõe e tem tudo para chegar ao segundo turno disputando com a “personificação do mal”.
A postura de FH isola Ciro Gomes, que não teve a mesma percepção e, a continuar na corrida, irá disputar a parcela de votos que caírem do balaio da ultradireita de Bolsonaro. É o que lhe resta. Ciro esticou tanto a corda que “já não há caminho pra voltar”. E não adianta ir para Paris perguntar: “o que é que a vida fez das nossas vidas?”. Teve tempo para ver que a terceira via não lhe cabia ao figurino.
Um aspecto que se destaca é que a foto nos diz também: não haverá impeachment. O sentido dela é pela opção de pavimentar um caminho para eleições seguras e limpas. (A menos que o caminhão de Bolsonaro chacoalhe tanto que o leve à capotagem). Há nela também o mérito de garantir que as eleições acontecerão. Queridinho da mídia, era fatal que o encontro entre Lula e Fernando Henrique fosse parar nas manchetes. Há simbolismo nisto, para o meio empresarial e para a mídia, que terá tempo de se acostumar com a ideia de que Lula é, sim, notícia sempre.
Lula, por sua vez, mostrou-se magnânimo, maduro e capaz de ter generosidade bastante para esquecer as palavras duras e as atitudes de reprovação do ex-presidente, em momentos dramáticos de sua vida. Porém, é possível que tenha ido para o almoço marcado na casa do ex-ministro Nelson Jobim, repetindo aos botões de seu blazer a frase um dia dita por Nelson Mandela: “perdoe, mas não esqueça”.