José Múcio (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

José Mucio, entre a corneta e o bongô

26 de dezembro de 2023, 10:54

No melhor estilo Tropa de Elite, cujo bordão era: “pede pra sair!”, o ministro José Múcio ensaia pedir o boné do ministério da Defesa, talvez antes mesmo de o presidente efetuar a reforma ministerial – que a mídia prevê – para o início do ano. Amuado, anda reclamando pelos cantos que é alvo de muitas críticas do Partido dos Trabalhadores (PT), e não recebe dos demais ministros a atenção que, considera, lhe é devida. A (in)decisão parece ir ao encontro do desejo de alguns, próximos do presidente. Seu nome costuma encabeçar a lista dos que devem sair do governo na próxima mexida.

Sobre o amuo do ministro e a má vontade com os seus pleitos, diga-se, esses foram “conquistados”. Basta lembrar que não foi Lula propriamente a escolher o seu nome. Mucio foi de certa forma uma imposição do meio militar, que via nele um verdadeiro porta-voz. Coincidentemente, o presidente Lula o conhecia e o tinha em boa conta. Mais por sua “maneirice” (e isto, da minha parte, não é um elogio) do que por vontade detê-lo deliberadamente ao seu lado, numa pasta sensível como a da Defesa. E mais: num momento tenso como o que o governo chegou ao poder.

José Mucio, na verdade, levou consigo ou aportou no Palácio, de mãos dadas com o general da reserva Marco Edson Gonçalves Dias, o G. Dias, o primeiro a cair de um cargo onde ficou menos de um mês, o de chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI). GDias foi flagrado rodando em torno de si mesmo, no 8 de janeiro, dentro do palácio do Planalto, sem tomar nenhuma atitude coerente com a gravidade do momento e a autoridade do seu cargo.

Ambos forçaram a barra para que a pasta não entrasse na transição do governo fascista de Bolsonaro para o de Lula, pois vinham de uma laboriosa costura em que, calcados no argumento absurdo de uma “cláusula pétrea” inexistente da Constituição, prometiam aos militares manter inalterados alguns pontos conquistados ou estipulados por eles: a não alteração da excepcional política da previdência, em que os milicos permaneceram intocados; a manutenção dos currículos das Escolas Militares, onde lhes é ensinado que em 1964 houve uma “revolução”, para espantar (Búuuu) o comunismo; a promessa da continuidade das promoções por antiguidade e outros pontos de absoluto interesse das fileiras militares.

Convenceram. Mas eis que veio o golpe de 8 de janeiro, quando os militares ficaram na berlinda. E José Múcio também. Não só porque chegou a redigir naquela tarde uma minuta de GLO – o roteiro traçado pelos golpistas indicavam a Garantia da Lei e da Ordem como o caminho mais curto para a vitória do golpe -, defendendo-a junta a Lula, como por ter mamparreado na demissão do general Júlio Arruda, Comandante do Exército brasileiro entre 30 de dezembro de 2022 e 21 de janeiro de 2023. (Tão breve como o companheiro G. Dias).

Era o sábado posterior ao traumático dia 8 e Lula acordou Múcio às 6h pedindo que demitisse Arruda, pois ficara sabendo que o comandante promovera o ajudante de ordens de Bolsonaro, o coronel Mauro Cid, para o batalhão Especial, localizado quase nos muros de Brasília. E Arruda não queria desfazer a “operação alívio”, que protegia e dava poderes perigosos a Cid. José Múcio, por sua vez, não queria demitir Arruda. Lula, com os nervos à flor da pele, pós-golpe, conseguiu resolver tudo com um grito. Arruda saiu, Cid foi preso dali a pouco e Múcio quase dançou, mas conseguiu se equilibrar e prosseguiu.

Daí por diante foi visto entre gabinetes e quartéis, dando declarações na maior parte das vezes, carregadas de ambiguidades e, para quem lê nas entrelinhas, tendendo mais para o alto comando do que para o Planalto. Durante os trabalhos da CPMI fez mais esforço indo de gabinete em gabinete para conseguir afastar do banco dos depoentes nomes como o do general Braga Netto – que selou chapa como vice de Jair – do que nos levantamentos de garfo nos almoços que promoveu, prometendo mundos e fundos (principalmente fundos) nos comandos. Foi assim que conquistou R$ 53 bi para a sua pasta, para serem gastos em pesquisa, Ciência e Tecnologia.

Conseguiu proezas, como tirar de cena o seu antecessor, o general Paulo Sérgio de Oliveira, que segundo denúncia do próprio Walter Delgatti, participou de reuniões em que foi encomendada ao hacker a encenação com urna fake, no 7 de setembro em Copacabana, um pouco antes da eleição presidencial, visando desmoralizar o sistema eleitoral. Paulo Sergio não foi depor, bem como Júlio Arruda ou o comandante anterior, Marcos Freire Gomes, que tolerou três meses de acampamento em frente aos quartéis, país afora, até que se tentasse um golpe.

Ao se fazer a pergunta shakespeariana: “ser ou não ser, eis a questão?”, quanto a prosseguir ou não no cargo, José Múcio elencou alguns dos seus feitos à frente da pasta, para a mídia – na qual invariavelmente tinha que retocar as declarações. Como quando disse que tinha parentes e amigos nos acampamentos golpistas, ou ao declarar que a Venezuela não usaria o território brasileiro para invadir Essequibo, sendo que a ameaça, se existiu, foi feita só para ele…

Dizem que Lula está satisfeito com Múcio, mas não faz nada para retê-lo. Múcio costuma dizer que gostou do ministério e compensaria ficar para batalhar pela aprovação de suas propostas de emenda à Constituição.

Cita duas propostas de sua gestão: a primeira é a que vetaria militares na política (mas os permitiria nos ministérios!).

Quem decidisse se candidatar seria automaticamente transferido para a reserva. A outra proposta, apresentada pelo senador Carlos Portinho (PL-RJ) e que deve ser abraçada pelo governo, estabelece pelo menos 2% do Produto Interno Bruto (PIB) do ano anterior para o orçamento da defesa nacional. Haveria um aumento gradual ano a ano até se chegar a esse patamar.

Vá lá que é um constrangimento ver tanques engasgados com a fumaça na esplanada, como em tempos recentes, mas também é verdade que a proposta é tão polêmica quanto o aumento do fundo eleitoral nos patamares pretendidos. Resta a dúvida: José Múcio entra 2024 entoando marchas marciais ou vai cantar boleros pelos salões de Pernambuco? Talvez fosse melhor já ir esticando a pele do bongô…

Escrito por:

Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora-pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" e "Imaculada", membro do Jornalistas pela Democracia

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