Fracassos de Bolsonaro desmoralizam direita e reabilitam esquerda
A maioria da população brasileira não é, essencialmente, nem de direita e nem de esquerda – até porque tem assuntos mais prementes a tratar do que reflexões sobre ideologia. No período histórico pós-ditadura, há uma lenta e às vezes interrompida evolução progressista em relação a temas comportamentais – homossexualidade, aborto legal, pena de morte – e um movimento pendular em relação à política e à economia. A boa notícia, no último Datafolha, é que o brasileiro parece ter “desencaretado” de forma significativa nos últimos anos. E o que está por trás disso.
Passou de 41% para 49%, em menos de cinco anos, o percentual dos que se identificam com a esquerda, num levantamento aferido pelo posicionamento dos entrevistados diante de questões diversas que apontam suas preferências ideológicas. Do ponto de vista político, o que se destaca nesse conjunto é o afastamento da maioria dos brasileiros de posições conservadoras que tinham em 2017, e que possivelmente influenciaram o seu voto em 2018.
Por exemplo, a visão da maioria sobre questões trabalhistas e sindicais: naquele ano, 58% consideravam que os sindicatos “serviam mais para fazer política do que para defender os trabalhadores”. Hoje, esse número é de 50%, e a opinião de que os sindicatos são importantes para defender os interesses dos trabalhadores subiu de 38% para 47%.
Ou seja, quatro anos de desemprego e subemprego, a maioria deles sob a batuta de Jair Bolsonaro, parecem ter servido de lição a boa parte dos trabalhadores. Uma dura lição.
E aí se chega ao ponto central do processo que está por trás dos números mostrados na última rodada do Datafolha: os graves fracassos do atual governo em todas as áreas – social, política e econômica – parecem ter deslocado o brasileiro à esquerda. Não se pode dizer que a maioria seja de esquerda, mas sem dúvida a mudança foi significativa: apenas 34% se identificam com as posições de direita. Eram 40% em 2017.
Entre as opiniões mais à esquerda que tiveram crescimento estão aquelas relacionadas ao papel do Estado na economia – por exemplo, passou de 63% para 71% o número dos que acham que o governo deve ajudar grandes empresas nacionais em risco de falência.
Subiu ainda de 43% para 48% o percentual de quem acha que é preferível pagar mais impostos e receber mais serviços gratuitos de saúde e educação. Lições da pandemia, na qual o SUS foi o sustentáculo da maioria dos brasileiros? Muito provável.
Esses alvissareiros resultados mostram, a essa altura, que a maioria dos brasileiros está prestes a decretar o fim dos anos obscuros do bolsonarismo. Mais importante, porém, é que apontam, na escala de valores e crenças, o fim de falsas ilusões vendidas à maioria da população, como a de que as reformas patrocinadas pelas elites – e basta citar a trabalhista – seriam benéficas a todos. Um amadurecimento que, quem sabe, tenha vindo para ficar.