
Fim da greve de fome de Glauber deve ser o início da moralidade no parlamento
Um acordo com o presidente da Câmara, Hugo Motta, selou o fim da greve de fome do deputado Glauber Braga, que ficou sem se alimentar durante 180 horas. Nesse período, o deputado ingeriu apenas água e bebidas isotônicas O deputado federal Glauber Braga (Psol-RJ) completou oito dias em greve de fome, que o levou a perder perto de cinco quilos.
Sua greve de fome foi encerrada na véspera da Sexta-Feira Santa. Para os católicos, o dia que antecedeu a crucificação de Cristo, que também jejuou por 40 dias, no deserto.
Não, os dias que Glauber Braga passou em jejum nada tiveram de cunho religioso, mas sim, de uma atitude política extrema, para ser ouvido, evitar a perda de seu mandato e que se abrisse no parlamento uma avenida de possibilidades para novas cassações, abusos e arbítrios.
A princípio, sua atitude foi ignorada pela mídia, que ao falar da sua decisão, teria, obviamente que tocar no tema que motivou tudo isso: o orçamento secreto. A bem da verdade, “ilegal”, como foi considerado pela ministra do STF, Rosa Weber.
Um garrote imposto ao executivo, nascido da inapetência do antecessor que não quis – ou não sabia – governar. Terceirizou a atividade e entregou o poder que lhe foi delegado pelo povo, a um grupo de deputados fisiológicos. Enquanto durou o governo do seu Jair, eles usaram e se lambuzaram do dinheiro público. Terminado o período de farra do boi, tentaram colocar de joelhos o novo governo.
O monstro, criado na pipeta do general Ramos, um dos muitos militares que cercaram seu Jair, no palácio, foi carinhosamente apelidado de “orçamento secreto”, pela mídia, que em vez de investigar de onde havia saído aquela aberração, o naturalizava chamando-o desse modo.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou os dois primeiros anos de poder, se esgueirando entre um orçamento anêmico, desidratado pelas tais “emendas impositivas”, e a pressão do ex-presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Com bons modos, mas de fala dura, impunha as regras do jogo, que Glauber esquadrinhou, denunciou, expôs em praça pública. Ao fazê-lo, atraiu para si a fúria dos titãs do parlamento, que toleram tudo, menos que se desafine o coro dos contentes, dos abonados.
Quis o MBL que um impertinente influenciador, Gabriel Costenaro cruzasse o caminho, do deputado Glauber, com provocações as mais insistentes e absurdas, até o limite de xingar a mãe, Saudade Braga, ex-prefeita de Nova Friburgo (RJ). Sim, a mãe agonizante, amada e, no fim, desrespeitada. Foi muito para Glauber, que já vinha da perda trágica de um cunhado, das ameaças dele – Arthur Lira -, de cassar a sua mulher, a deputada Sâmia Bomfim (Psol), juntamente com outras quatro deputadas, que Lira considerou terem se comportado mal no plenário.
O processo contra Glauber Braga foi aberto em 2024 depois que Glauber expulsou da Câmara o influenciador Costenaro, integrante do MBL (Movimento Brasil Livre), aos chutes. Saudade Braga faleceu 22 dias após o ocorrido.
Glauber disse em diferentes sessões do Conselho de Ética que o relatório do caso foi “comprado” pelo ex-presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que exercia o cargo no ano passado. Glauber ainda chamou Lira em diferentes oportunidades de “bandido”.
Porém, nada disso justificava o processo tramitar com a rapidez que não se costuma ver naquele Conselho. Havia muito mais em jogo do que um traseiro magoado. Ademais, não se pensou em medidas intermediárias. Partiu-se logo para os finalmentes. Seria hoje para o Glauber, amanhã para qualquer outro deputado que contrariasse interesses.
Há muito não se via um ato político de tamanha coragem e destemor. A maior greve de fome de que se tem notícia foi em 1972, feita por 51 detentos, para reivindicar que os presos políticos ficassem todos no mesmo presídio e lhes fosse concedida a anistia ampla geral e irrestrita. Os presos e presas ficaram 38 dias sem tomar nem água. (Médicos afirmam que o corpo humano só suporta 40 dias sem sucumbir). Sobreviveram porque eram amarrados para receberem soro.
Lula já fez greve de fome juntamente com outros seis companheiros, quando foram detidos numa das greves do ABC. É atitude extrema, política, e de muita coragem. Resta aguardar os desdobramentos da atitude, e do acordo selado com Hugo Motta. “A suspensão da greve de fome vem a partir de uma mensagem que demonstrou, através de toda essa solidariedade, um recuo, uma sinalização importante contra a perseguição que aqui se estava operando”, declarou o deputado.
Glauber sai maior dessa luta travada na solidão das sete noites no parlamento. Um parlamento que não vale um dos quilos perdidos pelo deputado, mas é o que temos para hoje. Que ele vá para casa e possa degustar a sua bacalhoada em paz.