Estivemos muito próximos do inimaginável
É grave. Muito grave. Não cabem memes. Não cabem comentários jocosos. Jair Bolsonaro, de acordo com o relatório da PF enviado ao ministro Alexandre de Moraes e que, hoje, no dia 26 de novembro do ano da graça de 2024, vem a público, chefiou uma tentativa de golpe que previa: matar o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, o seu vice-presidente e o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes.
Nos planos estavam, depois de morto o eleito, Lula, a interrupção do processo de transição e tropas na rua. O que fica claro é que 1964 se encontra com o 8 de janeiro, passando pela “ponte para o futuro” de Michel, por meio da impunidade. O futuro de que falava Michel, agora fica claro, desembocaria no golpe à la quartelada. Não por acaso, Michel recebeu das mãos do general Villas Bôas o bastão de comando do Exército, em cerimônia solene, no Forte Apache.
E o fato de não haver transição, como planejavam – até porque, com o golpe, não haveria nem sequer um presidente eleito para tomar posse, pois Lula provavelmente já estaria morto – levanta sérias suspeitas sobre o ministro da Defesa, José Múcio, que trabalhou, ou aceitou, que não houvesse transição na pasta que seria sua. E, só lembrando, foi encontrada no seu computador uma minuta de GLO, o desdobramento esperado para o êxito do golpe. Foi a sagacidade da primeira-dama, Janja da Silva, que impediu que Múcio prosseguisse com a insistência de que era necessário adotá-la.
A cada página do relatório agora tornado público, escorrem provas tão robustas quanto nauseantes de um plano que nos mandaria de volta aos porões da repressão, como uma macabra viagem ao túnel do tempo, aos anos de 1970, sem escala ou direito a passagem de volta tão cedo. Era sangue o que queriam. Era violência e ódio. O ódio que trataram de cozer a fogo alto, organizando os braseiros nas portas das unidades militares, com churrascos patrocinados por uma parcela do Agro, que é pop, mas, acima de tudo, golpista.
É um relatório irrefutável, e não dá lugar à defesa desabrida de alguns “juristas” para que se adote o instrumento do “domínio do fato”, um artifício vergonhosamente utilizado no julgamento do processo do Mensalão, para incriminar José Dirceu. Não carece. Sobram fatos, provas, desonra, transgressão, falta de respeito para com os cidadãos eleitores deste país.
Diante de tamanha desfaçatez, chega a ser infantil o contorcionismo para elevar o comandante do Exército, Marcos Freire Gomes, à condição de herói. As cartas – uma, a de 11 de novembro, defendendo os acampamentos como “forma de expressão” do povo, e a outra, sobre a qual ele fez vista grossa, mas assinada por mais de mil oficiais, apelando para que ele assentisse com o golpe. Esta circulou no dia 22 de novembro de 2023 e foi denunciada com exclusividade pelo 247 no dia seguinte.
Nela, esses generais, oficiais da ativa e inativos apelavam a ele, Marcos Freire Gomes, que colocasse as tropas na rua. Gomes, a essa altura, havia recebido informações e recados de que o Comando Sul dos EUA, que treina os kids pretos, ou forças especiais, no Forte Benning, formando-os para missões arriscadas e de combate a guerrilhas, não concordava com a ação. Recuou. Sim, essa é a palavra exata para nos referirmos ao seu gesto. O comandante Gomes recuou, temendo as reprimendas e sanções. Sem contar a falta de apoio para os momentos futuros, do país Brasil.
O preço da impunidade é que a história volta com força, violência, certeza de que há campo fértil para que as ações golpistas vicejem. Estivemos a um passo de um abismo que muitos de nós conhecemos e não queremos repetir.
Cidadãos brasileiros, tenham, por favor, noção do risco que corremos. Estivemos, como bem definiu o presidente do STF, Luiz Roberto Barroso, a um passo do “inimaginável”. Lá é o escuro.