Escolas cívico-militares e a antieducação
Diz-se que as nossas tragédias, individuais e coletivas, têm efeito pedagógico, ou seja, que se alguma serventia têm, é a de nos ensinar como proceder ou não dali por diante. É desanimador ver que a experiência desastrosa com um governo militarizado, pouco ou nada nos ensinou. Um governo que planejou e executou atos golpistas, a ponto de haver minutado o texto de uma ruptura institucional, tudo com o apoio explícito de militares, inclusive das mais altas patentes.
A relação visceral entre as forças armadas e o bolsonarismo, que quase solapou a democracia, fomentou discussões sobre a necessária revisão do currículo das academias militares. Está muito claro que a formação acadêmica nas forças armadas, longe de fomentar princípios republicanos, são perpetuadoras de ideias de extrema direita que colocam em risco o estado democrático de direito.
A perspectiva de revisão curricular das academias militares “subiu no telhado”: não veio e, ao que parece, está cada vez mais distante. Não bastasse isto, o que temos é o avanço das tais escolas “cívico-militares”.
Vejo, assombrado, a expansão desse modelo de escolas. Para mim, claramente uma das estratégias de avanço dos fascistas sobre mentes e corpos; neste caso, de crianças e adolescentes, em um movimento que é seminal, gerador de um processo de atraso da pedagogia do aprendizado libertador do conhecimento.
A imposição desse “modelo” de educação é grave. Digo imposição, porque esse sistema vai acabar por engolir as escolas como conhecemos hoje. Já há relatos de famílias que não conseguem optar por outro modelo de escola.
No Paraná e em São Paulo essas escolas já são uma realidade, se encontram em franca expansão e vão atingir preferencialmente as famílias mais pobres e carentes. Tudo sob a falácia da excelência do ensino – que as estatísticas desmentem, já que nem de longe as escolas militarizadas alcançam os melhores resultados no ENEM. Não poderia ser diferente, já esse modelo de “educação” rejeita e pune qualquer construção crítica, tudo em nome da disciplina e da obediência. Ou seja, o que se pretende ali são alunos alienados, moldados para a negação da vontade individual. O efeito disso será o surgimento de uma legião de jovens doutrinados, fanatizados e intolerantes à diferença. E diga-se, tudo isto a um custo muito maior aos cofres públicos do que qualquer outro modelo de escola.
Mesmo sem apoio do governo federal, o Programa Nacional das Escolas “Cívico-Militares”, criado no governo passado, avança nos estados bolsonaristas. Na semana passada, a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou a lei que implementa a criação de 100 dessas escolas. E o prefeito Ricardo Nunes, em plena campanha de reeleição, já prometeu a expansão desse modelo na capital paulista.
Não posso deixar de destacar, caro leitor, que os políticos de direita e extrema-direita, principalmente dos estados do sul e sudeste do país, usam esses projetos pra se capitalizar num tema que mobiliza os afetos das pessoas: a perspectiva de ordem, numa realidade de disrupção. Ou seja: o mundo está em convulsão, os “valores tradicionais” valem cada dia menos, para o terror dos conservadores e a “solução” apresentada é uma antieducação baseada na disciplina cega, que mata o pensamento, fomenta o autoritarismo e cria “corpos dóceis” aos interesses antidemocráticos. Pelo que vemos, esse discurso cola. Infelizmente.
A militarização da educação é uma receita de sucesso para que a extrema-direita se capitalize politicamente. Some-se tudo isso ao discurso de segurança pública que, segundo as pesquisas, é o tema que mais preocupa o brasileiro. Mais que saúde, mesmo após os anos de pandemia; mais do que o meio ambiente, mesmo em meio a catástrofes climáticas escancaradas diante de nós; mais do que emprego e renda. Eis a nossa distopia cotidiana.
O tema da militarização da educação é sensível, é urgente e merece ser debatido com a seriedade necessária.