Marília Ferreira Alencar, denunciada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) pela tentativa de golpe de Estado (Foto: CLDF)

E tinha que ser o Aragão?

23 de abril de 2025, 18:23

São complicadas as situações da delegada da Polícia Federal Marília Ferreira de Alencar e do ex-procurador da República e ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão. Marília virou ré como golpista. Aragão é o advogado dela.

Não é qualquer advogado. É um ex-servidor federal com posições assumidamente de esquerda, mesmo quando em atividade. Que defendeu Lula e o PT. Que atuou em ações contra Bolsonaro, que esteve ao lado de Dilma nos piores momentos antes do golpe de 2016.

Aragão faz agora o que é da natureza do trabalho dos advogados. Arranjar um jeito de defender quem está em enrascada, oferecendo o direito de voz e de argumentação a quem se diz inocente, mesmo que tudo indique o contrário.

No caso da delegada, há o agravante dos componentes políticos. Marília foi indiciada pela própria PF e denunciada pela Procuradoria-Geral da República por uma acusação grave: a participação em esquemas de suporte ao golpe chefiado por Bolsonaro.

É acusada de ter elaborado relatórios com informações que auxiliariam na montagem de blitzes da Polícia Rodoviária Federal para impedir ou dificultar que eleitores de Lula chegassem às seções eleitorais no segundo turno, principalmente em áreas do Nordeste.

Aragão diz que ela apenas auxiliava as forças de segurança, como entendida em inteligência, com informações que identificassem regiões com possíveis atritos entre os eleitores de Lula e de Bolsonaro. É brabo, é difícil aceitar que tal argumento tenha algum fundamento.

A delegada foi diretora de Inteligência do Ministério da Justiça e, depois, subsecretária de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, em ambas as situações sob o comando do delegado golpista Anderson Torres. Era alguém com conhecimento específico e especializado, como policial e servidora, e com cargo e poder político. 

Por que Aragão aceitou essa empreitada? Porque há situações em que os afetos se impõem. O ex-ministro disse no STF: “Confesso que não é sem desconforto que estou aqui na tribuna neste feito, mas o faço com a consciência tranquila, porque conheço Marília de Alencar há quase 30 anos”.

Esse é o detalhe. Os dois se conheceram no Ministério Público. Aragão diz ter assumido o caso de graça. Porque Marília também foi assessora e pessoa de confiança de seu amigo Carlos Eduardo Vasconcelos, subprocurador-geral da República falecido em 2020.

Aragão está tentando salvar a amiga. É assim que funciona o Direito? Sim, também é assim. Em qualquer área. É quando sentimentos e subjetividades se apresentam à frente de imposições da razão.

Marília pode ser vista, dependendo das concessões de quem a observa, como parte do grupo de servidores puxados por Bolsonaro para um golpe brancaleone e depois abandonados. 

É provável que seja, entre servidores civis e militares indiciados, a golpista mais ‘eventual’, no sentido de que assumiu uma empreitada e não fazia parte do núcleo raiz do golpismo. É a única mulher no grupo de 40 denunciados pela PGR pelo golpe e divididos em seis núcleos.

Talvez seja uma mera instrumentadora, que alcançava coisas para os operadores acima dela, como Anderson Torres e Silvinei Vasques. E os dois já eram comandos do segundo time do esquema que deveria dar funcionalidade à engrenagem.

Mas Bolsonaro fugiu, junto com Anderson, os generais se apijamaram e o golpe ficou sem chefe. Sobrou para os manés e para a delegada, como já havia sobrado para Mauro Cid e seus amigos.

Mas o afeto que mobiliza Aragão não é o mesmo que mobilizava advogados e outros meio cúmplices da ditadura em socorro aos que resistiam pela democracia. Defensores e acusados poderiam não ter posições políticas convergentes. Mas eram cenários bem distintos em relação à atual situação. 

Aragão dedica-se ao salvamento da amiga acusada de golpismo. Os advogados de direita eram legalistas tentando salvar trincheiras, mesmo que não fossem necessariamente as deles. 

A pergunta é: precisava ser o Aragão? Por que não indicou outro amigo para a tarefa? Não há como ver a delegada como a Débora do batom da PF. Entre as mensagens atribuídas a ela, antes da eleição, tem essa aqui: “Em Belford Roxo, o prefeito é ‘vermelho’. Precisa reforçar PF”.

É difícil que Marília escape. Mas Aragão, por seu histórico de servidor exemplar e antifascista, pela sua reputação e pelo que ainda tem a nos oferecer, merece escapar do cerco dos que o consideram um traidor. 

Escrito por:

Moisés Mendes é jornalista de Porto Alegre e escreve no blogdomoisesmendes. É autor de ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim). Foi editor de economia, editor especial e colunista de Zero Hora.

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