
Delegados perseguidos por Bolsonaro esperam por justiça no governo Lula
Quando se sentar para trabalhar, no dia 2 de janeiro de 2023, o ministro da Justiça, Flávio Dino, terá sob a mesa uma lista de sete nomes de delegados federais que, ao longo dos quatro anos do governo Bolsonaro, foram vítimas diretas de perseguição política e administrativa. O grupo, jogado no ostracismo por ter ousado investigar crimes cometidos por familiares e aliados do ex-presidente do PL, espera por algum tipo de reparação funcional por ter se colocado, dentro da Polícia Federal, contra a corrente que envenenou a corporação com a doutrina bolsonarista.
O mais conhecido deles é o delegado Alexandre Saraiva, ex-superintendente da PF no Amazonas. Ele ficou conhecido por denunciar o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles por interferência em investigações contra madeireiros. Por causa disso, o delegado foi afastado e submetido a um Processo Administrativo Disciplinar (PAD), dentro da Polícia Federal, acusado de “buscar angariar notoriedade para concorrer a cargo político-partidário, mediante uso indevido do cargo público, através da concessão de reiteradas entrevistas a veículos de imprensa, sem prévia autorização ou interveniência do órgão de comunicação social respectivo, bem como de intenso ativismo político em redes sociais”.
Saraiva, além de ficar sem função, chegou a ser obrigado a devolver a arma e o distintivo de policial, na primeira fase da investigação disciplinar, e só foi reintegrado ao trabalho depois de ter sido transferido para um cargo irrelevante em uma delegacia da PF em Volta Redonda, no interior do Rio de Janeiro. Lá, espera no “corredor”, jargão policial para quem fica no limbo funcional, uma posição do futuro diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues. Nas eleições passadas, tentou ser deputado federal pelo PSB do Rio de Janeiro, sem sucesso. Salles, a quem investigou na Amazônia, foi eleito pelo PL de São Paulo.
Também na lista está o delegado Carlos Eduardo Miguel Sobral, especialista em crimes cibernéticos que atuou, entre 2018 e 2020, como coordenador da principal ação estratégica da Direção Geral da Polícia Federal, o Projeto Prometheus. Desenvolvido para combater fraudes em programas sociais e, posteriormente, ampliado para as áreas de crimes ambientais, previdenciários, cibernéticos e fazendários, o Prometheus teve entre os delegados envolvidos, além de Sobral, o futuro diretor-geral Andrei Rodrigues.
Carlos Sobral foi destituído do cargo por atuar nas investigações das CPIs das Fake News e da Covid, no Senado Federal, ambas diretamente voltadas para a atuação subterrânea de grupos bolsonaristas, e por apontar internamente os abusos do governo Bolsonaro. Acabou removido para a Superintendência da PF no Ceará, onde, há dois anos, amarga uma espera, também no “corredor”, em Fortaleza.
Outro que experimentou a vingança da família Bolsonaro foi o delegado Hugo de Barros Correia. Superintendente da PF no Distrito Federal, Correia foi afastado porque se recusou a bloquear as investigações sobre Jair Renan. O filho 04 do ex-presidente é suspeito de envolvimento em lavagem de dinheiro e tráfico de influência para beneficiar uma mineradora junto ao governo federal. O delegado acabou sendo colocado, em Brasília, para cuidar do plano de saúde dos servidores.
A delegada Denisse Ribeiro era titular da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado (Dicor) da Polícia Federal quando, em 2020, à frente da Operação Lume, solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação de busca e apreensão no Palácio do Planalto. Ela investigava a organização e o financiamento de atos antidemocráticos por parte de grupos bolsonaristas.
O pedido de Denisse tinha como alvos a Secretaria de Comunicação da Presidência da República, a seção correspondente no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, os endereços do então secretário Fábio Wajngarten e canais bolsonaristas no YouTube. Exatos 14 dias depois do pedido enviado ao STF, Denisse Ribeiro foi afastada da Dicor. Acabou sendo reintegrada, mas impedida de exercer qualquer protagonismo nas investigações, graças a uma intervenção direta do ministro Alexandre de Moraes.
Os demais perseguidos foram os delegados Carla Patricia Cintia Barros da Cunha, Bruno Calandrini e Franco Perazzoni. Carla era superintendente em Pernambuco, mas acabou afastada por ter atuado na Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco, governada pelo PSB.
Calandrini investigava as denúncias de corrupção no Ministério da Educação que levaram à prisão do ex-ministro Milton Ribeiro. Foi afastado quando denunciou a tentativa de interferência do governo nas investigações. Perazzoni, lotado na Delegacia de Repressão à Corrupção e Crimes Financeiros da Superintendência da PF no DF, acabou afastado por conta das investigações sobre desmatamento na Amazônia. Ele era o responsável pela Operação Akuanduba, que fez buscas no escritório de Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente.
A questão dos delegados federais perseguidos no governo Bolsonaro foi tratada, informalmente, durante as reuniões do grupo técnico de Justiça e Segurança Pública do gabinete de transição, mas nenhuma decisão foi tomada a respeito. Dentre os principais cargos de direção da PF anunciados pelo delegado Andrei Rodrigues, nenhum dos nomes da lista foi incluído. Restam, ainda, os cargos relativos às superintendências regionais.