Declínio de público de Bolsonaro e embate do Governo com Lira dão chance de ressurgimento de uma direita democrática
O saldo do comício da extrema-direita no Rio de Janeiro, no último 21 de abril, foi um sonoro fracasso de público. Estavam em Copacabana, na área reservada ao chiqueirinho dos bolsonaristas, escassas 33 mil pessoas (arredondando para cima os cálculos da USP). Tamanho vazio dá a dimensão do quão fatigadas e descrentes estão as hordas de brasileiros que até há poucos meses se deixavam tanger pelos discursos eivados de ódio, de preconceitos e de mentiras desse “Messias das Trevas” que é Jair Bolsonaro, e também de seus demoníacos profetas do caos liderados por bispos e pastores argentários como Silas Malafaia e o obreiro da Bancada da Bíblia Sóstenes Cavalcante. Não eram inocentes. Porém, foram úteis na construção de um bloco político que tomou o poder de assalto em 2018 das mãos dos golpistas incompetentes de 2016.
No curso de 7 anos incompletos – e 7 é número cabalístico bíblico – quase conseguem destruir o País. Agora, em evidente crise de empatia com a parcela da sociedade que fanatizaram e adoeceram, esses “patriarcas da barbárie” brasileira vivem seus outonos particulares. Graças a Deus, o velho já morreu. Às exéquias da velhacaria extremista de direita compareceram esparsos 32,7 mil fanáticos (olha o 7 aí, no número exato dos pesquisadores da USP!). O novo, contudo, não nasceu ainda no horizonte espectral da direita nacional.
Zonza em meio às suas divisões particulares, imersa na missão de reconstruir o Brasil das ruínas largadas pelas irresponsáveis administrações de Michel Temer e Jair Bolsonaro, a centro-esquerda tem deixado flancos abertos para o ressurgimento de uma direita democrática. Se houver inteligência no campo de lá, o que é uma incógnita de fato, pois todos os candidatos a herdeiros daquele campo ou incineraram as próprias biografias (quando as tinham) deixando-se tragar pelo niilismo extremista, ou desistiram da História e caíram na vida a fim de preservarem a sanidade mental.
Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, Romeu Zema, governador de Minas Gerais e o elemento apropriadamente designado “Ratinho Jr” não têm trajetória política nem tempo de voo para aspirarem a designação de líderes da direita democrática. Surgiram na cauda do Cometa do Diabo que é Bolsonaro, comeram a placenta do bolsonarismo e agora querem regurgita o que não são: personalidades do mundo democrático. São rejeitos asquerosos da extrema-direita. No caso do governador de São Paulo, há um agravante: ele se presta risonha e francamente ao papel de gerente de incubadora de serpentes ao tornar viável e naturalizar a violência absurda da Polícia Militar paulista e os métodos de exterminador do coronel e secretário Guilherme Derrite.
Ronaldo Caiado (União Brasil) governador de Goiás, Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central e a senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura, deixaram a facção de Tarcísio e Zema para trás. Campos Neto é um tecnocrata forjado nos cargos executivos de grandes instituições financeiras e fiel ao histórico familiar de obediência e trabalho com denodo ao capital. Entrega, no BC, todas as missões que a si foram confiadas pelos chefes que lhe movem as cordas de marionete. A partir de dezembro próximo, estará livre para abraçar a carreira política pela qual se encantou. Não tem verniz intelectual do avô, nem é cobrado disso. Mas, para sacramentar o encantamento que já provoca entre os donos da mídia tradicional, pode virar arroz-de-festa do colunismo e dos programas de TV em 2025. Será uma forma de popularizar seu nome.
Tereza Cristina converteu-se de ruralista em política com rara eficácia e leveza. Enfrentou as falanges mais rudes do bolsonarismo com firmeza e tranquilidade – até mesmo uns malucos alocados em seu gabinete pelos militares que abriam a porta e do nada, soltavam o grito de guerra “selva!”. A senadora, porém, é inimiga das pautas ambientais e foi patronesse do desembarque no Brasil do maior arsenal de venenos e agrotóxicos que o mundo já viu. Em razão disso, é um nome pesado numa agenda contemporânea. Caiado, por fim, recebe de presente e como uma bênção a seu projeto político a aversão que Bolsonaro confessa ter a ele. A relação entre os dois nunca foi a mesma desde a pandemia de Covid-19, quando o governador goiano, médico, abraçou os cuidados de restrição de contato, as máscaras e a vacina.
Reeleito em 1º turno, tendo a exibir uma gestão eficaz e austera, dedicando-se a rodar o País a fim de ampliar sua visão dos problemas nacionais e possuindo uma incomum trajetória longeva na política, atuando sempre no espectro da direita (contudo respeitando as leis e as regras democráticas, aceitando as derrotas que a vida já lhe impingiu), Ronaldo Caiado é nesse momento o perfil ideal para a vaga de antagonista do Governo que os adversários do presidente Lula procuram. Mas, os extremistas de direita são tão ignorantes e desqualificados que não enxergam o cavalo selado passando diante de seus chiqueiros.
Bolsonaro, que conta os dias para ser denunciado pelo Ministério Público por causa dos roubos que promoveu – jóias, relógios etc – e dos atentados à Democracia – culminando no 8/1/23 – é passado como atesta o público esquálido da última micareta fascista. A cadeira quente da liderança da direita vai trocar de dono nos próximos meses. Se for por alguém da direita democrática será melhor para todos, inclusive para o Governo: Lula pode se dedicar a espicaçar os erros e tragédias dos títeres da direita – Temer e Bolsonaro – quando passaram pelo poder. Não foram poucos e foram graves e devastadores para a sociedade. Bolsonaro nunca foi sólido e desmanchou no ar rarefeito de ódios e de pequenezas atrozes de Copacabana no último domingo.