
Carlos Menem: a morte de um canalha
A vida é especialista em criar traidores. E um dos mais luminosos, ao menos nas últimas muitas décadas, foi o argentino Carlos Saúl Menem.
Ele morreu no domingo 14 de fevereiro, aos 90 anos de uma vida coalhada de escândalos, corrupção e, acima de tudo, traição, muita traição.
Filho de imigrantes muçulmanos sunitas, Menem virou peronista ainda jovem. Estudou Direito em Córdoba, e se formou dois meses antes do golpe que derrubou o então presidente Juan Domingo Perón em 1955.
Foi preso pela primeira vez um ano depois, acusado de conspirar com o peronismo. Levou dois anos para ser libertado, e então fundou, na clandestinidade, a Juventude Peronista em seu estado natal, La Rioja.
E foi assim, numa semiclandestinidade e militando junto à esquerda, que se lançou na vida política.
Ao longo de décadas, se mostrou de uma fidelidade radical a Perón. Exibiu sempre um talento ímpar para o equilibrismo, permanecendo, porém, fiel ao líder argentino.
Com suas costeletas descendo rosto abaixo, essa fidelidade foi compensada até mesmo pelo lugar marcado no frustrado voo de Perón de regresso à Argentina em novembro de 1972. A frustação ficou por conta da ditadura brasileira, que impediu, numa escala, que o voo chegasse até lá.
No ano seguinte, ganhou, de lavada, o governo de La Rioja. E a primeira coisa que fez foi homenagear os grandes heróis da libertação argentina do jugo espanhol, sempre ao lado da Juventude Peronista de esquerda. Ao mesmo tempo, soube manter boas relações com os Montoneros, o grupo armado dessa mesma esquerda peronista.
Até então, uma trajetória coerente desde a juventude. Com a morte de Perón, em 1974, e com o caos surgido, começou a mudar de trajetória.
O golpe sangrento de 1976 levou Menem para a cadeia. Ficou, durante dois anos, zanzando de um presídio militar a outro. Quando enfim conseguiu cumprir a pena em casa, escolheu Mar del Plata para morar.
Dessa época, sobram relatos – comprovados – do Menem mulherengo ao extremo ocupando o lugar do Menem militante. Sempre vulgar, sempre mundano, vagou de um canto a outro, engravidando a filha de 22 anos do sujeito que tinha cedido sua casa para que ele cumprisse prisão domiciliar.
Em 1983, com a volta da democracia, foi eleito governador de seu estado natal. E começou a se preparar para as eleições presidenciais de 1989, que ganhou de lavada.
Então surgiu o verdadeiro Menem, o traidor canalha.
Fez de tudo um pouco, sempre para o mal.
Quando assumiu a presidência, em meio à crise econômica brutal do fim do governo de Raúl Alfonsin, primeiro presidente eleito depois da ditadura que durou de 1976 a 1983, recebeu o apoio mais eloquente dos donos do dinheiro.
E nenhum deles ficou frustrado: em seus anos de presidente – dez e meio, o mais longínquo mandatário argentino – Menem desfez tudo, absolutamente tudo, que o peronismo havia armado de política social e econômica.
Privatizou dos serviços de água e luz e gás às comunicações, das siderúrgicas às ferrovias, da Aerolíneas Argentinas até a petroleira estatal YPF. Nem Paulo Guedes, o ex funcionário do sanguinário Augusto Pinochet, sonhou em chegar tão alto.
Como se tudo isso fosse pouco, Menem ainda anistiou todos os militares e agentes públicos responsáveis por crimes de lesa humanidade durante a mais recente ditadura argentina (1976-1983), equiparando seu país à vergonha abjeta que ainda impera neste Brasil destroçado.
Sua vassalagem a Washington superou a de Jair Messias e seu ministro de Aberrações Exteriores, Ernesto Araújo: declarou que as relações entre os dois países não eram diplomáticas, e sim “carnais”, e equiparou o peso argentino ao dólar norte-americano, o que acabou de afundar de vez uma economia que já vinha sendo arrasada.
Roubou o que quis e até o que não quis, e em 2003 se candidatou de novo à presidência de seu país. No primeiro turno, saiu bem na frente.
Faltando pouco para o segundo, percebeu que seu rival ia arrasar, e desistiu. E foi assim que Néstor Kirchner se elegeu e devolveu o país aos trilhos.
Pensando bem, se Jair Messias tivesse um lampejo de lucidez, não teria Donald Trump como exemplo e modelo: teria Carlos Menem.
Só que, ao contrário do Genocida e de Trump, Menem não era desequilibrado. Era apenas um canalha. Tão canalha quanto os outros dois.