As eleições de novembro na nossa América

9 de novembro de 2021, 18:00

Novembro marca duas eleições de especial importância na América Latina. A primeira, na Nicarágua, já aconteceu no domingo, dia 7. A segunda, no Chile, terá seu primeiro turno também num domingo, dia 21. São duas eleições que refletem a turbulência dos tempos atuais. Uma serviu para assegurar a continuidade de um traidor. A outra pode significar a volta de tempos tenebrosos. Na Nicarágua aconteceu a mais que previsível vitória de Daniel Ortega, aboletado na presidência agora para seu quinto mandato.

Previsível não pela popularidade e o êxito de seu governo, mas porque ele, que foi um dos líderes da revolução sandinista que em 1979 liquidou décadas da dinastia ditatorial da família Somoza, instalou a sua própria, ao lado da mulher, a campeã olímpica de ambição chamada Rosário Murillo.

Sete dos candidatos de oposição foram impedidos de disputar votos. Eles, ao lado de outros vinte e três líderes políticos, foram presos. Há também os que, para evitar a prisão, partiram para o exílio. Em sua versão atualizada da dinastia Somoza, a dupla familiar Ortega-Murillo contou, de acordo com a autoridade eleitoral máxima do país (uma junta cuidadosamente escolhida a dedo), com a participação de 65% dos eleitores. E as urnas pariram mais de 75% dos votos para o atual presidente e a excelentíssima esposa como vice. São números tão confiáveis como uma nota de três dólares. Centros independentes de estudos políticos e sociais apontam para uma abstenção média em todo o país de 81%. Seja como for, com os adversários e lideranças políticas de oposição na cadeia e os meios de comunicação amordaçados, a reeleição de Daniel Ortega estava assegurada há tempos. Mais que terrível, sua trajetória de lutador pela libertação nacional a usurpador do poder é patética.

Já a de sua mulher vai além de trair o movimento que livrou o país de uma dinastia familiar de décadas: ela trai sua própria origem. 

Afinal, Rosario Murillo é sobrinha-neta de Augusto César Sandino, exemplo de luta pela liberdade e a independência não só de seu país, mas de toda a América Latina.

Sandino criou e comandou a guerrilha que resistiu à invasão norte-americana entre 1927 e 1933. Foi morto em 1934, quando as tropas de Washington tinham ido embora e Anastasio Somoza inaugurou a dinastia que iria durar mais de quatro décadas. 

Essa dinastia só acabou quando a Frente Sandinista de Libertação Nacional tomou o poder. Fundada em 1961, a vitória alcançada dezoito anos mais tarde ainda tinha o único sobrevivente entre os pioneiros, o comandante guerrilheiro Tomás Borge. 

Entre os vitoriosos estava o heróico Daniel Ortega, um jovem comandante de 34 anos que levava uma década na clandestinidade.

No governo, os sandinistas enfrentaram a pressão tremenda dos Estados Unidos. Armados e treinados por Washington, os integrantes da “contra-revolução” fizeram do país um cenário de inferno.

Em 1990 foram realizadas eleições, e os sandinistas perderam. Foi quando Daniel Ortega começou a desmoronar o que havia ajudado a criar.

Em 2007 ele foi eleito presidente. E, além de liquidar o que havia sobrado da Frente Sandinista de Libertação Nacional, começou a liquidar o que havia de democracia no país. 

Agora, tem pela frente mais cinco anos na presidência. Se chegar ao fim do mandato, terá permanecido quinze anos consecutivos no poder.

Nenhum Somoza ficou tanto tempo na presidência. Foram se sucedendo, de pai para filho. 

Essa é a única diferença entre uma dinastia sanguinária e a atual, baseada puramente na ambição familiar.

Escrito por:

Eric Nepomuceno é jornalista e escritor

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