Maria Estela Martínez de Perón, conhecida como Isabelita Perón (à dir.) (Foto: Reprodução)

Argentina, 1976: o golpe mais sangrento

24 de março de 2022, 17:33

Há exatos 44 anos o dia 24 de março caiu numa quarta-feira. E aquela quarta-feira começou com a deposição da presidenta Maria Estela Martínez de Perón, conhecida como Isabelita Perón, o fechamento do Congresso, da corte suprema de Justiça e a instalação da mais sangrenta ditadura enfrentada não só pela Argentina, mas de toda a América do Sul.

Pouco antes da uma da madrugada daquela quarta-feira Isabelita foi posta num helicóptero e despachada para Neuquén, no sul do país. E pouco depois das três as rádios e televisões foram invadidas, a programação foi tirada do ar e foram lidos e repetidos comunicados informando a versão oficial dos golpistas. Havia estado de sítio e foi imposta a lei marcial.

Quando amanheceu, o cenário parecia tranquilo. Parecia: centenas de sindicalistas, estudantes, jornalistas, militantes de esquerda, intelectuais e políticos peronistas foram presos e mandados para quartéis ou centros clandestinos de detenção e tortura. 

Uma junta militar integrada pelos comandantes do Exército, Jorge Rafael Videla, da Marinha, Emilio Massera, e da Força Aérea, Orlando Agosti tomou o poder. Durou pouco: dias depois, Videla foi nomeado chefe dos chefes e o genocídio desandou.

Foi um golpe cuidadosamente preparado. Dois meses antes, o então secretário de Estados norte-americano Henry Kissinger foi informado. Nem precisava: afinal, o movimento era parte do Plano Condor, armado pelos Estados Unidos e integrado pelas ditaduras militares do Brasil, Chile, Uruguai e Paraguai. Kissinger, aliás, se reuniu várias vezes com comandantes miliares argentinos depois do golpe, recomendando que liquidassem rapidamente opositores de tudo que é tipo, antes que começassem os protestos em defesa dos direitos humanos nos Estados Unidos. E foi o que aconteceu. 

Todo o sul da América do Sul passou a ter ditaduras: era Pinochet no Chile, Geisel no Brasil, Alfredo Stroessner no Paraguai, e um civil, Juan María Bordaberry, mero fantoche dos militares do Uruguai.

A Argentina foi dizimada, e pesquisadores chegaram à conclusão que pelo menos trinta mil foram mortos pela ditadura, que durou até 1983. Aliás, o de 1976 foi o sexto golpe acontecido na Argentina desde 1930, e o mais sangrento de todos. 

É verdade que depois da morte de Juan Domingo Perón, no primeiro dia de julho de 1974, o país havia descambado. Isabelita, uma ex-bailarina de cabaré que Perón conheceu ainda jovem no Panamá, não tinha a mais remota capacidade para nada. Seu escudeiro, José López Rega, ministro de Bem-Estar Social, tornou-se o centro do poder.

López Rega era um curandeiro fascista. Criou a AAA – Associação Anticomunista Argentina –, um grupo para-policial de extrema direita que se dedicou a perseguir e assassinar esquerdistas, enquanto o país mergulhava num caos político, social e econômico. Com o golpe, ele foi preso, e o terror foi institucionalizado.

Eu morava lá desde março de 1973, e tenho guardadas na alma as marcas daquele tempo de terror. Precisei sair fugido em meados de julho, menos de quatro meses depois do golpe. Sem poder voltar ao Brasil, fui parar em Madri.

E de longe vi, anos depois – a ditadura acabou em 1983 –, o que sempre esperei ver acontecer aqui no Brasil: todos os torturadores, sequestradores, violadores e assassinos foram levados aos tribunais, a começar por Videla.

Todos foram condenados, muitos deles a penas de prisão perpétua. Videla, aliás, morreu de causas naturais sentado no vaso sanitário da sua cela de uma prisão militar.

Lá, a Justiça não foi frouxa, omissa e covarde como aqui no Brasil. 

Vergonha, vergonha, vergonha. Vergonha de um Congresso poltrão, vergonha do comportamento igualmente poltrão – e cúmplice – do Supremo Tribunal Federal.

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Escrito por:

Eric Nepomuceno é jornalista e escritor

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