Ainda estou aqui exigindo Justiça
O plano macabro articulado pelos oficiais militares bolsonaristas para matar Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes e abrir caminho para um golpe de Estado no país, “foi pelos ares”. Falta agora um acerto de contas com a história e com a Justiça. O passado e o presente, já que o autoritarismo e o golpismo, no Brasil, têm se repetido como uma reinfecção de doença não tratada.
Os ataques contra a democracia de agora são praticamente a repetição do que ocorreu no século passado, envolvendo hoje, inclusive, alguns militares reincidentes do mesmo crime.
A diferença é que desta vez os golpistas deixaram suas digitais em mensagens que não se pode apagar. Não são mais documentos em papel, que podem ser queimados às pressas, como fizeram com parte dos arquivos do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), no fim da ditadura militar. Hoje, os arquivos virtuais flutuam em nuvens e podem ser acessados mesmo depois de apagados. Um vasto material foi recuperado, tendo um deles sido produzido na residência do general Braga Netto e impresso pelo general Mário Fernandes em computador funcional do Palácio do Planalto.
Por tudo isso que temos visto e vivido nos últimos anos, é premente o acerto de contas das nossas Forças Armadas com a Justiça.
A impunidade nos trouxe até aqui, sofrendo as mesmas ameaças de um passado sombrio. Em 1979, a Lei de Anistia, cunhada no governo do general João Figueiredo, sob o pretexto de permitir o regresso dos exilados políticos, premiou com anistia os crimes cometidos pelos militares golpistas durante a ditadura, uma das mais violentas do mundo. A anistia aos torturadores foi uma condição imposta pelos militares aos civis. Ou seja, a redemocratização no Brasil se deu em um ambiente de ameaças, chantagem e coação.
Importante ressaltar que muitos dos golpistas de hoje são oriundos do grupo que se beneficiou da Lei de Anistia.
Nos anos 70, Augusto Heleno e o próprio Bolsonaro eram ligados à ala militar que apoiava as ideias do então Comandante do Exército, general Sylvio Frota. Considerado “linha dura” da ditadura militar, Frota foi o maior opositor à proposta do general presidente, Ernesto Geisel, de uma “abertura lenta, gradual e segura”. Na tentativa de viabilizar seu nome como sucessor de Geisel, Frota e seus asseclas fizeram de tudo para fortalecer a narrativa de que o comunismo ainda era uma ameaça ao Brasil e que precisava ser combatido com a violência peculiar da ditadura militar do período do general presidente Emílio Garrastazu Médici. A partir de meados dos anos 70, quando a luta armada já tinha sido aniquilada, o grupo de Sylvio Frota desencadeou uma perseguição violenta contra jornalistas, líderes estudantis, religiosos e sindicais. Dentre os presos e torturados, estavam o jornalista Vladimir Herzog e o líder operário Manoel Fiel Filho. Ambos mortos nos porões do temido DOI-CODI, em São Paulo.
A esse grupo é creditado também os ataques terroristas a bancas de jornais, o envio de uma carta-bomba que matou a secretária da presidência da OAB do Rio, Lyda Monteiro da Silva, e da explosão de uma bomba no estacionamento do Rio Centro, na festa do 1º de maio de 1981.
Cinquenta anos se passaram e por muito pouco a ditadura não foi mais uma vez instalada no país. No planejamento da intentona que contou com a colaboração do general Braga Neto, candidato a vice-presidente da chapa de Bolsonaro e defensor entusiasmado dos anos de chumbo – após a prisão e assassinato de adversários políticos, o poder seria transferido temporariamente para um gabinete de crise, comandado pelo general Augusto Heleno, o mesmo que no passado foi ajudante de ordens de Sylvio Frota.
As informações da investigação, levantadas e divulgadas pela Polícia Federal, são aterradoras. Falar em anistia nesse momento é incidir no mesmo erro que cometemos durante a redemocratização do país. A tal pacificação ao preço da impunidade dos crimes de ataque ao estado democrático de direito, nos manterá na condição de eternos reféns das Forças Armadas, de uma parte delas que se vê no direito de tutelar a república, que não se conforma com o lugar que lhes foi reservado no desenho democrático – de subordinação ao poder civil.
As instituições da justiça têm a responsabilidade histórica de punir exemplarmente os golpistas verde-oliva e aderentes. Nós, cidadãos, temos o dever histórico de zelar pela democracia, não esquecendo o passado.
Termino com uma sugestão para os que viveram (mas parece que esqueceram) e para os mais jovens: “Ainda estou aqui”. Filme com brilhante atuação de Fernanda Torres, que revela o drama da família de Rubens Paiva, vítima de um regime de horror, que teima em querer voltar.