A taxação dos “super-ricos” com a bênção do Papa Francisco
Entre os anos de 2021 e 2022, o mundo gerou cerca de 42 trilhões de dólares em riquezas. Dois terços desse valor, 28 trilhões de dólares, ficou nas mãos de 1% da população do planeta. No Brasil, segundo relatório da Oxfam, o 1% mais rico abocanhou, no ano passado, 63% da riqueza do país. Já os 50% mais pobres ficaram com apenas 2% do patrimônio do país. Esse reduzidíssimo grupo de privilegiados do capitalismo nunca demostrou qualquer solidariedade aos miseráveis do planeta. A luta pela redução das desigualdades nunca foi tarefa fácil, mas nem por isto podemos desanimar.
Quantos de nós não vimos com descrença e até mesmo de forma jocosa, por alguns, o senador Eduardo Suplicy, quando este defendia sozinho, em 1991, seu projeto de renda mínima que garantiria a todo o cidadão receber no mínimo 150 dólares mensais. Pois em janeiro de 2004, o que parecia quixotesco, aconteceu. O presidente Lula criava, naquele ano, o ambicioso programa Bolsa Família. Pouco tempo depois, a cidade de Nova York implantava seu próprio bolsa-família, de igual modo, o México, com a criação do mesmo programa de transferência de renda.
Querem outro exemplo? Em 1993, o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, deu início à Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, mobilizando boa parte da sociedade na arrecadação de alimentos. A campanha teve impacto importante, mas carecia de uma estrutura maior, ligada ao Estado. Dez anos se passaram e em 2003 o governo Lula criou, inspirado na Ação da Cidadania, o projeto Fome Zero, destinado a combater a fome e seus determinantes estruturais, retirando do mapa da fome 13 milhões de brasileiros.
Em resumo, propostas de diminuição das desigualdades sociais, de justiça tributária sempre parecem utópicas, excessivamente ousadas e impraticáveis – principalmente em tempo de tamanha erosão civilizatória, que é o contemporâneo.
Desta vez, muitos são os descrentes no sucesso da cruzada movida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que propõe uma taxação mundial dos “super-ricos”. O comandante da economia brasileira pretende levantar recursos para reduzir a pobreza, que atinge hoje 1,1 bilhão de habitantes do planeta, potencializada pelos cada vez mais recorrentes eventos climáticos extremos e pelos conflitos que se sucedem, como temos visto.
A ideia que vem sendo defendida por Haddad em fóruns internacionais nos últimos meses será apresentada no Vaticano, sede da Igreja Católica, em Roma (Itália) agora, no início da tarde desta quarta-feira, (05/06). O Ministro da economia apresentará o projeto ao Papa Francisco e pretende angariar apoio de Sua Santidade para a proposta de taxação dos milionários.
Essa mesma proposta de taxação internacional, levantada pelo Brasil, vem sendo discutida no G20, grupo formado pelas maiores economias do mundo, mais a União Europeia e a União Africana.
França, Espanha, Alemanha e África do Sul já sinalizaram apoio ao projeto de Haddad, na qual os multimilionários terão de pagar anualmente 2% da sua riqueza total.
O tempo dirá se Haddad repetirá o sucesso das alvissareiras teimosias de Suplicy e Betinho. Se conseguir, talvez tenhamos um forte candidato ao primeiro Nobel da Paz concedido a um brasileiro. De qualquer maneira, é animador saber que para o ministro da Fazenda Fernando Haddad o mercado financeiro pode muito, mas não pode tudo.
Concluo aqui lembrando de outra viagem internacional de autoridades brasileiras, esta marcada para o final deste mesmo mês de junho. A nata do poder tupiniquim se reunirá em Lisboa, em um fórum jurídico organizado por uma instituição privada brasileira, que tem à frente um ministro do STF. Ali, em terras lusitanas, políticos de todas as vertentes se reunirão e tratarão de questões afetas ao Brasil. A percepção da velha dinâmica “colônia-metrópole”, aqui, é irresistível. O oposto absoluto do périplo de Haddad.