Embaixador de Israel, sentado, entre Jair Bolsonaro e outra pessoa com a mão levantada, em evento com parlamentares da extrema direita na Câmara (Foto: Reprodução/X)

A provocação que ressuscitou Bolsonaro afronta diplomacia

9 de novembro de 2023, 21:30

A tentativa do premiê israelense de extrema direita, Benjamin Netanyahu,

de fustigar o governo do presidente Lula chegou ao seu ápice na quarta-feira, 09/11, em Brasília.

A cidade, que em 8 de janeiro foi palco de uma tentativa de golpe de estado, teve as portas do Congresso Nacional abertas para receber um evento da embaixada de Israel, que contava como convidado especial o ex-presidente Jair Bolsonaro. Justamente aquele sobre quem recaem fortes suspeitas de ser um dos principais responsáveis pela intentona golpista que culminou, inclusive, na destruição do prédio do Congresso, agora reformado.

Todo sorridente, Bolsonaro posou para fotografias ao lado do diplomata, Daniel Zonshine como se  representante do Brasil fosse, ou seja, como se o golpe tentado e fracassado, tivesse dado certo e ele continuasse no poder.

O embaixador que organizou o encontro com a extrema direita local, é o mesmo que não moveu uma palha para atender aos pedidos do governo Lula e liberar a saída dos 34 brasileiros, mantidos em clara condição de reféns do governo Netanyahu, na Faixa de Gaza.

Mas a gravíssima quebra de protocolo em relações internacionais não se resumiu ao tal encontro. No início da tarde de ontem, o primeiro-ministro de Israel fez questão de dizer que foi o próprio Mossad, serviço secreto israelense, que orientou a PF do Brasil na operação Trapiche, que levou à prisão de dois suspeitos de planejar atos terroristas no Brasil para o Hezbollah, organização ligada ao Irã. Diz o comunicado de Netanyahu: “Os serviços de segurança brasileiros, juntamente com o Mossad, seus parceiros na comunidade de segurança israelense e outras agências de segurança internacionais, frustraram um ataque terrorista no Brasil, planejado pela organização terrorista Hezbollah, dirigida e financiada pelo Irã.” Ou seja, uma investigação que ainda está em curso no Brasil, foi apresentada como uma operação concluída e solucionada, pelo próprio primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

E não parou por aí. O próprio Mossad, que costumeiramente age na surdina, emitiu uma nota inusitada, citando a atuação em conjunto com a PF brasileira contra o Hezbollah.

A provocação é evidente, assim como a intenção: desgastar a liderança de Lula no cenário internacional. Não é preciso um grande esforço analítico, nem expertise em geopolítica para que se perceba o claro intuito, por ações conjugadas dos EUA e Israel, no sentido de enfraquecer o papel dos BRICS, ao tentar fabricar uma crise entre o Irã e o Brasil. Justamente em um momento em que o protagonismo de países emergentes se consolida num mundo multipolar. Justamente quando o Irã, com o apoio do Brasil, passará a integrar os BRICS, que hoje representa 40% da população e mais de um quarto do PIB mundial.

Quanto às investidas e tentativas de ingerência externas, o ministro Flávio Dino reagiu, afirmando que o Brasil é uma nação soberana, que nenhuma força estrangeira manda na PF e que, em momento oportuno, a PF irá apresentar “ao Poder Judiciário do Brasil os resultados da investigação técnica, isenta e com apoio em provas analisadas EXCLUSIVAMENTE pelas autoridades brasileiras”. A Polícia Federal também emitiu nota, repudiando as declarações de autoridades estrangeiras, afirmando que manifestações dessa natureza “violam as boas práticas da cooperação internacional” e podem prejudicar futuras ações nesse sentido.

Que assim seja!

Porém, seria alvissareiro e de excelente contribuição à democracia, que a própria PF evitasse novos vazamentos de informações para a maior rede de televisão do país. Ao que parece, uma versão semiótica está em curso, para construir a narrativa de uma ameaça terrorista financiada pelo Irã em terras brasileiras. Uma exploração de todas as angústias que já temos, de toda a polarização em que fomos lançados.

Todos sabemos que em matéria de politização de investigações e exploração midiática, o Brasil já padeceu bastante. Até hoje colhemos os frutos amargos da operação Lava jato, da relação perniciosa entre investigadores e a imprensa tradicional, que tanto mal causou à democracia. Lembro aqui de Aldous Huxley, quando escreveu que “talvez a maior lição da história seja que ninguém aprendeu as lições da história.” Espero e torço para que dessa vez, finalmente, contrariando a frase do festejado autor, tenhamos aprendido a lição.

Escrito por:

Jornalista com passagem pelas principais redações do país: Folha de São Paulo, JT, TV Globo, TV Manchete, TV Cultura, TV Gazeta, TV Brasil, TVE/RIO, Rede Minas, Rádio Eldorado, Rádio Tupi, Rádio Nova FM, Rádio Musical e colaborador do El País Brasil e Brasil 247

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