Por que a Globo vai proteger Jorge Pontual

16 de outubro de 2023, 12:23

A Globo já mandou embora um comentarista da Globo News flagrado dizendo uma frase racista. Deve agora fazer com Jorge Pontual o que fez com William Waack, que achava que buzinar na rua era coisa de preto?

Há similaridade entre um caso e outro? Não há. Mas o caso de Pontual também é complicado. O jornalista disse ao vivo que os israelenses têm o direito de bombardear Gaza, mesmo que atinjam alvos civis, porque o importante é eliminar o Hamas.

No mundo todo, a maioria dos profissionais da imprensa se posiciona pelo cessar fogo. Pontual, que fala de uma sala confortável em Nova York, disse na TV:

“Um cessa fogo agora é ajudar o Hamas. O cessa fogo é o que o Hamas quer. O Hamas sai ganhando. Nesse momento, reconhecer o direito de Israel de se defender é reconhecer o direito de Israel de atacar o Hamas, de eliminar o Hamas, porque não há diálogo com esses bárbaros”.

E continuou:

“Não há negociação possível. A única saída, agora, é militar. Um cessar fogo agora seria um erro, seria dar a vitória ao Hamas. Isso não pode acontecer”.

Pontual não defende apenas o direito de Israel de massacrar Gaza. Ele vai além e diz que a única solução possível é a militar, é a invasão de Gaza. Repetindo: a única.

Não há antecedente recente de nada parecido no jornalismo brasileiro em tempos de guerra e deve existir, no jornalismo mundial, posição similar apenas na mídia de extrema direita americana, como a Fox, e nas próprias organizações de comunicação sionistas.

Outra pergunta é esta: por isso a Globo deveria mandar Pontual embora, por ter se posicionado pelo uso da violência contra um povo, sob o pretexto de acabar com um grupo armado inimigo por causa de uma ação terrorista?

Qualquer manual de redação de veículos que tenham esse tipo de orientação formalizada aos seus profissionais recomenda que jornalistas não se envolvam com atos violentos nem os estimulem.

Mas o Código de Ética e Conduta do Grupo Globo é frouxo nessa área. Fui dar uma olhada no conjunto de orientações, pois o Código está disponível na internet, mas não há uma linha sobre restrições à participação ou incitação de ações que se caracterizem pela violência.

Há no manual recomendações éticas e morais genéricas, que podem valer tanto para jornalistas quanto para professores de escolas de crianças e adolescentes, e muitos conselhos específicos, com apenas esse trecho que poderia incomodar Pontual:

“O Grupo Globo está alinhado com práticas empresariais que não infrinjam os direitos humanos, em observância à Constituição e aos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica)”.

A única violência citada no Código é relacionada com bullying, no trecho que aborda os assédios moral e sexual e se refere a “atos de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo (o bullying abordado no documento), que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas”.

Pontual pode ter ignorado o capítulo que assegura o alinhamento da Globo com práticas “que não infrinjam os direitos humanos”.

É óbvio que defender ataques militares a áreas civis, sob a desculpa de que o Hamas se esconde entre a população, é incentivar a afronta a esses direitos.

Mas a Globo não vai sacrificar Pontual como sacrificou Waack, que está bem empregado na CNN. Porque mandar Pontual embora agora seria admitir que ele não só errou, ao incentivar a guerra e a matança de civis, como confessar que ele tem um lado, o lado belicista e também terrorista de Israel.

Demitir um jornalista pró-Israel agora seria insustentável para qualquer grande veículo de comunicação ocidental. Não é como mandar embora um racista.

A Globo e os grandes jornais do mundo todo estampam em manchetes, da manhã à noite, o ponto de vista de Israel, sempre com o foco na questão bélica.

Nesse domingo, quando os grandes temas eram a matança em Gaza e o drama humanitário dos que não conseguem fugir da guerra, o Globo online estampou, a partir do meio da tarde e durante toda a noite essa manchete, que estava no site até a conclusão deste texto, às 23h45min:

“Israel planeja destruir Hamas com invasão de Gaza e não vê guerra no Norte, dizem autoridades”

É uma manchete que poderia ter sido escrita por Jorge Pontual. A Globo tem a mesma posição do jornalista que incentiva o extermínio de civis. Pontual tem emprego garantido por muito tempo, até perder a serventia. Antes, é preciso deixar passar.

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Escrito por:

Moisés Mendes é jornalista de Porto Alegre e escreve no blogdomoisesmendes. É autor de ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim). Foi editor de economia, editor especial e colunista de Zero Hora.

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