Juninho Pernambucano mete o dedo na ferida: “Há milhares de George Floyds no Brasil”
O ex-jogador Juninho Pernambucano deu uma entrevista importante ao repórter Thiago Rabelo, do jornal The Guardian, tocando numa ferida que seus colegas de futebol têm optado por ignorar: a violência policial contra os negros nas periferias brasileiras. “Há milhares de George Floyds no Brasil e outros milhares que sofreram em silêncio e que nós não conhecemos”, disse o atual diretor esportivo do Lyon em referência ao homem negro sufocado até a morte por um policial em plena rua em Minneapolis, o que provocou protestos em massa nos EUA e no mundo.
“Como é possível que uma criança de 8 anos seja morta pela polícia, como aconteceu no ano passado no Complexo do Alemão?”, questionou Juninho à publicação britânica, sobre a menina Agatha Félix, baleada por PMs quando estava com a mãe dentro de uma kombi. “Como é possível viver depois disso? Inacreditável. Olhe para George Floyd. Ele não podia respirar. Ele é um ser humano. Eu não consigo imaginar como a polícia pode fazer isso. É racismo, e é muito, muito triste.”
O filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, a despeito das milhares de mortes de inocentes que ocorrem pelas mãos da polícia nas periferias, disse que aqui “não existem casos como os de George Floyd”. As estatísticas dão razão a Juninho, não a Bananinha
“É desumano dizer que não temos George Floyds no Brasil. Os tiroteios acontecem todo dia. Homossexuais são perseguidos também e é uma das coisas pelas quais eu fico mais zangado com as pessoas que apoiam Bolsonaro.” Ele contou que teve de romper com “80% ou 90%” de seus familiares e amigos pelo apoio ao presidente. “Foi minha decisão me afastar delas.”
Em junho, o filho de Bolsonaro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, a despeito das milhares de mortes de inocentes que ocorrem todos os dias pelas mãos da polícia nas favelas e periferias, disse que não há razão para os negros protestarem porque aqui “não existem casos como os de George Floyd”.
“Se você observar o que está acontecendo nos EUA, os protestos… Eles dizem manifestações, eu diria baderna. Eles dizem contra racistas… Eles estão tentando importar isso aqui para o Brasil mesmo não havendo casos como o de Floyd, que infelizmente morreu, ninguém quer que isso aconteça. Mas eles estão tentando trazer para cá esse tipo de ‘protestos’”, disse, durante evento virtual da extrema direita norte-americana.
“É desumano dizer que não temos George Floyds no Brasil. Os tiroteios acontecem todo dia. Homossexuais são perseguidos também e é uma das coisas pelas quais eu fico mais zangado com as pessoas que apoiam Bolsonaro”, disse Juninho
As estatísticas dão razão a Juninho, não a Bananinha. As mortes pela polícia vêm crescendo desde que Jair Bolsonaro assumiu o poder. Foram 5.804 pessoas mortas em “confronto” com policiais no ano passado, sendo que muitas vezes este “confronto” tem apenas um dos lados com armas em punho. O Rio de Janeiro, onde mataram Agatha, teve, nos cinco primeiros meses de 2020, o maior número de mortos pela polícia em 22 anos: 741 vítimas. E, em 2019, 80% das pessoas mortas pela polícia fluminenses eram negras e pardas. Portanto, até pela lógica, é impossível não haver vários Georges Floyds sendo mortos diariamente nas mãos de policiais.
Em 2016, a CPI do Senado que investigou o Assassinato de Jovens no Brasil chegou à conclusão que há em curso em nosso país um genocídio da juventude negra. A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no Brasil; todo ano, 23.100 jovens negros de 15 a 29 anos são mortos; a taxa de homicídios entre jovens negros é quase quatro vezes a verificada entre os brancos –são os números apontados pelo relatório. Não se briga com os números e não se maquia a realidade.
Entre as razões para o genocídio de negros estão os famigerados “autos de resistência”, que favorecem a impunidade ao trazer unicamente a versão oficial para os supostos “confrontos”, em que o policial afirma ter atirado porque o morto “ofereceu resistência”. De acordo com a CPI, em virtude dos “autos de resistência”, 99% das mortes que ocorrem pelas mãos de policiais são arquivados sem investigação, e em 21% dos casos as vítimas tinham menos de 15 anos.
Quando George Floyd foi morto, o craque Neymar foi cobrado por não se pronunciar e acabou postando uma tela negra com a hashtag da campanha #BlackLivesMatter no instagram. No entanto, nunca houve uma só manifestação do jogador criticando a violência policial em seu país de origem. Juninho, aliás, alfineta Neymar como imaturo na entrevista ao Guardian. “Precisa se questionar e crescer”, disse.
Juninho Pernambucano não só desmanchou uma narrativa feita para desestimular os negros a irem às ruas reivindicar direitos como deixou a nu a falta de compromisso de seus colegas jogadores, muitos deles oriundos das periferias, com a violência policial cometida contra sua própria gente. Precisamos de milhares reagindo aos assassinatos dos nossos milhares de George Floyds, uma reação que também deveria partir de dentro do futebol.