Os uruguaios e os torturadores
A professora Elena Cándida Quinteros era militante anarquista e tinha 31 anos quando foi presa e desapareceu de uma unidade do Exército em Montevidéu, em junho de 1976.
Quem aparece na foto carregando o cartaz com seu nome em uma manifestação em Montevidéu, nos anos 80, é sua mãe, dona Tota Quinteros. Tota foi uma das mães uruguaias que se mobilizaram, como fizeram as argentinas, para tentar achar seus filhos.
Passaram-se 44 anos, e os uruguaios tentam impor mais uma vez a vontade, aparentemente ainda minoritária, dos que desejam cobrar a condenação dos criminosos da ditadura.
O que está acontecendo agora com o processo sobre Elena é um bom exemplo para que o Brasil entenda também o que aconteceu aqui.
A novidade em relação à morte de Elena é que o juiz de primeira instância Nelson Dos Santos decidiu que 26 acusados pela prisão, pela tortura e pelo desaparecimento da professora devem ser processados. São 25 militares e um civil.
Elena foi presa e dias depois levada a uma rua onde deveria atrair um militante. Ela planejara uma tentativa de fuga, ao pedir que fosse levada para uma área vizinha à da embaixada da Venezuela.
Conseguiu pular a cerca do prédio e entrar no pátio da embaixada, de onde foi retirada à força pelos agentes que a seguiam.
Enviada de volta à prisão, com uma perna quebrada, foi torturada, conforme testemunhos de outros presos, e depois desapareceu.
Um processo corre contra os acusados na Justiça comum, mesmo que no Uruguai, como aconteceu no Brasil, uma anistia de 1986 tenha ‘perdoado’ os dois lados.
Mas há uma surpresa. Ao contrário do que ocorre no Brasil, no Uruguai – segundo o Montevideo Portal – os juízes de primeira instância tentam levar adiante os processos contra torturadores com o argumento de que os servidores do governo cometeram crime de lesa humanidade.
Foi esse o argumento do juiz Nelson Dos Santos (foto abaixo) para refugar o pedido da prescrição apresentado pela defesa. Crimes contra a humanidade, enquadrados por leis internacionais, não são prescritíveis.
O juiz é famoso no Uruguai por ser implacável com criminosos da ditadura. E vai tocar o processo até o fim.
Mas há outro impasse. A Corte Suprema do Uruguai tem decidido que a anistia deve ser cumprida. Os próprios uruguaios já opinaram, em dois plebiscitos, que a anistia deve ser mantida.
Os acusados pela morte da professora podem passar pelo constrangimento de uma condenação em primeira instância. Mas devem ser absolvidos depois, em apelações aos tribunais de segunda e terceira instância.
Parece pouco e insatisfatório, mas revela que o Uruguai tem juízes que desafiam a impunidade dos criminosos da ditadura. E mães que nunca desistem.
Os juízes talvez não consigam nada de muito efetivo agora. Mas podem ajudar o país a melhor compreender o que aconteceu quando os militares estiveram no poder.
(Dona Tota, a mãe de Elena, morreu em 2001, aos 82 anos, sem ter encontrado o corpo da filha e sem ver os assassinos punidos)
Abaixo, o curta metragem dirigido por Oscar Estévez sobre a tentativa de fuga de Elena. Na mesma tela do Youtube irá aparecer um vídeo com uma entrevista de Tota Quinteros.