O Brasil do presbítero Lancellotti contra o Brasil de Covas, Lira e Bolsonaro. Luta desigual
São Brasis que se chocam, se desmentem. Um é o Brasil triste, injusto, mentiroso e cruel que tem como porta-vozes e atos figuras como o seu próprio presidente, sua base de apoio político e (i) moral, o país de Arthur Lira, de Bia Kicis. O outro, ainda bem, é o país de dos profissionais de saúde que se matam para garantir a vida, de quem se cuida e se resguarda, de quem não aceita o genocídio institucional. Um é o Brasil do prefeito de São Paulo, o lamentável Bruno Covas, do PSDB. O outro é o país do presbítero católico Júlio Lancellotti, cuja história em favor dos pobres é referência mundial.
Foram das últimas personagens o protagonismo do nosso ato político mais expressivo da semana. O prefeito é o mesmo que tem posições esquisitas sobre a pandemia da Covid-19, que faz discurso em favor da vacinação, mas aparece, fantasiado e abatido (está se tratando de um câncer), em um jogo de futebol ao lado de 3 mil potenciais suicidas, aglomerados e grande parte (ele até que não) sem máscaras. Covas executou uma obra odiosa: implantou um mar de pedras fixadas em baixo de um viaduto onde – não por opção, mas por necessidade – dormiam dezenas de sem teto. A obra, com requintes de maldade dignos dos governos nazistas, entra para História como uma chaga na maior cidade do País que, com toda certeza, não merecia ação tão nefasta.
Incontinente, o que fez o presbítero Lancellotti? Nada além do que se esperava de uma figura de caráter e história como ele o é. Em gesto mais simbólico que prático, o religioso armou-se de uma picareta e começou a retirar as padras implantadas no caminho dos pobres pelo prefeito de São Paulo. Consolidou, assim, a sua imagem respeitada e crível argamassada por anos de luta em defesa do que Bruno Covas mais demonstrou abominar.
O embate entre Covas e Lancellotti ocorreu no momento em que a maioria dos que formam Câmara dos Deputados mostrava ao País a sua estranha noção de tratar a Democracia e o espírito público. Eleito presidente da Casa na aba do quepe do tenente reformado que ocupa a presidência da República e no colo das bancadas da bala, da bíblia e da bola, o deputado Arthur Lira mostrava a que veio. Ao melhor estilo “faço porque quero e ninguém tem nada com isso”.
Na formação da Mesa Diretora e das comissões, escolheu alguns lídimos representantes do que de mais daninho existe na Casa. Para citar duas indicações, Bia Kicis, inimiga declarada da Democracia (é defensora da intervenção militar no País), negacionista e anti-ciência na questão da vacina. Ela deverá presidir a mais importante nas comissões, a de Constituição e Justiça (CCJ).
Trata-se de uma semana emblemática onde o Brasil entra em um ciclo perigoso. O alinhamento de um governo autoritário com um Legislativo submisso e comprometido com todas as bandeiras retrógradas do Executivo é mais que um alerta para a Democracia brasileira. É a chave de um drama. O Brasil de Júlio Lancelotti torna-se cada vez mais frágil diante do Brasil de Lira, de Covas e do presidente da República.