
No 31 de março, a ‘sensatez’ de Bolsonaro e a defesa da democracia turca
No dia do aniversário do golpe de 64, a Folha busca alguém que, nessa hora de desatinos, expresse alguma sensatez em defesa da democracia. E apresenta Bolsonaro em editorial principal como exemplo de bom senso, a partir de uma declaração do golpista ao próprio jornal.
O líder do golpe é o sensato do momento, segundo a Folha, que publica o seguinte: “É nesse ponto que Bolsonaro, conscientemente ou não, faz observações sensatas”.
E o jornal reproduz então o trecho de uma fala do sujeito, consciente ou não, que provaria sua sensatez na entrevista à Folha, publicada no sábado:
“Para você dar um golpe, ao arrepio das leis, você tem que buscar como é que está a imprensa, quem vai ser nosso porta-voz, empresarial, núcleos religiosos, Parlamento, fora do Brasil. O “after day” (sic, dia seguinte), como é que fica? Então, foi descartado logo de cara”.
A chamada para o editorial aparece na capa do jornal, para comemorar o aniversário do golpe: “Bolsonaro acaba por atestar vigor da democracia”.
Para a Folha, a decisão de Bolsonaro de descartar o golpe, por medo de não ter apoio, é uma prova de sensatez. Quando já está provado, pela denúncia da PGR e pelo que disseram os cinco ministros da primeira turma do STF, que o golpe só fracassou por não ter apoio da maioria dos chefes militares. Que Bolsonaro não cita.
Não foi por bom senso que Bolsonaro fugiu para os Estados Unidos, mas porque já previa que não daria certo, por ter se antecipado ao que iria acontecer e porque se acovardou.
Mas a Folha, que comprovadamente trabalhou para a ditadura, acha que Bolsonaro foi e é um cara sensato ao considerar a hipótese de um golpe e dizer que o descartou por falta de apoio, entre outras áreas, da grande imprensa.
A Folha perdeu a chance de oferecer de novo seus furgões aos golpistas, como fez depois de 64. Tudo porque Bolsonaro virou um atestador da democracia.
O editorial da Folha, no 31 de março, ofende os democratas ao exaltar um golpista e tudo o que ele representa como defensor de torturadores e ditadores. Assim como os outros dois jornalões, Globo e Estadão, esconderam o golpe no 31 de março.
São três editoriais do Estadão, três do Globo e dois da Folha. Nenhum fala do golpe e da ditadura, dias depois da aceitação pelo STF das denúncias inéditas da PGR contra generais. No Estadão, um dos editoriais trata de regimes de exceção, com esse título: “A agonia da democracia turca”.
No dia em que os jornalões deveriam ao menos fingir que prezam pelas liberdades – mesmo que todos tenham sido cúmplices do golpe de 64 –, a democracia que importa é a turca.
As corporações de mídia continuam sendo protagonistas da política, principalmente por engajamento dissimulado às ideias e ações da extrema direita. Ou por omissão, que significa covardia mesmo.