Cassandras
Como a malfadada figura da mitologia grega, as esquerdas nacionais fazem previsões trágicas sobre a democracia brasileira, desde as eleições de 2018, mas, como na história de Troia, são ignoradas solenemente, imersas em uma maldição.
A comparação, aparentemente primária, traz consigo uma exatidão quase curiosa: enquanto nós, as cassandras, alertávamos o povo, o mundo, sobre o cavalo bolsonarista recheado de fake news, o simulacro de nobreza troiana, protegida pelas muralhas da mídia, aceitava, feliz, o destino trágico de uma nação.
Do ventre do cavalo, na madrugada escura da nossa triste república, foram expelidos todos os pesadelos possíveis, cada qual como uma espada na mão. A primeira vítima, por sempre acordada e insone, foi a Razão.
Dentro da frágil cidadela da Constituição, a barbárie bolsonarista avançou sobre a soberania, os direitos trabalhistas, o patrimônio público e, chegando à torre do rei, lançou flechas incendiárias sobre as florestas.
E nós, as cassandras, cientes do fim, mas amaldiçoadas pela letargia das lideranças frouxas, dos lugares de fala e das intermináveis discussões sobre valores e identidades pessoais, vamos sendo massacradas, aos poucos.
Troia sumiu do mapa, apesar dos avisos de Cassandra, e, com ela, todos os que, mesmo avisados, escolheram o presente dos gregos, ao invés de ouvirem a razão.