Movimento golpista de empresariado do B, soa como missa encomendada
A campanha presidencial começou com um momento de inflexão. Muito já se falou da cerimônia de posse no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), observada e analisada do ponto de vista da semiologia, das futricas políticas e de toda a simbologia ali contida. No fim, o que se pôde concluir é que quem tomou posse naquela tarde de terça-feira, 16 de agosto foi a Democracia. Alexandre de Moraes foi apenas o meio para a mensagem de defesa do estado de direito. O golpismo, se havia, começou a fazer água ali, naquele salão repleto de figuras emblemáticas de todas as instituições que contam no país.
Um Bolsonaro ensimesmado, mergulhado nos seus gases e de péssimo humor, viu diante dos seus olhos, se não a concretização de sua derrota – só as urnas serão capazes de traduzi-la -, mas certamente o isolamento e o desprestígio a que está submetido, na eloquência dos discursos proferidos pelos oradores que antecederam o empossado, o ministro Alexandre de Moraes, e que culminou em suas palavras de exaltação ao sistema eleitoral brasileiro. Para acentuação do azedume presidencial.
Enxovalhado país a fora por Bolsonaro, apenas como mote de campanha, sem provas concretas de ilícitos ou de deficiências, o nosso sistema foi aplaudido de pé, numa demonstração inequívoca de que Bolsonaro e suas opiniões esdrúxulas sobre as urnas eletrônicas não contam. Seus arroubos golpistas não obtiveram eco e seus planos de sequestrar os 200 anos de Independência, no Sete de Setembro, se podem provocar alguma marola, só no seu curralzinho verde-e-amarelo, mas não em setores significativos, que dias antes fizeram questão de assinar uma carta-compromisso em nome da liberdade e da democracia. Não apenas.
Compareceram também para referendar as assinaturas no ato nas arcadas da tradicional faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco (SP). Estavam lá os pesos pesados do PIB nacional. Os grandes nomes da indústria, os empresários que de fato contam na balança comercial. Os mesmos que em passado recente deixaram a democracia desandar, mas sentiram no bolso, no calor da cara, a passar vergonha pelo mundo, o preço que se paga por escolher alguém que não está à altura do cargo. Demoraram a entrar no trem da defesa de uma economia pujante, e da reconstrução do Brasil. Esperaram que os segmentos progressistas organizassem a festa democrática, para embarcar e se colocarem na janelinha. Mas antes tarde do que muito tarde. Que tenham se somado à ideia de resgatar a dignidade do país já está de bom tamanho. As discussões programáticas ficam adiadas, por enquanto.
Enquanto isto, na manhã de hoje, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi recebido no hangar do aeroporto de Belo Horizonte capital mineira, pelo seu candidato a governador do Estado de Minas Gerais, Alexandre Kalil (PSD), por parlamentares – dentre eles o ex-ministro e candidato a deputado federal, Patrus Ananias, –, e do recém-chegado à campanha petista, o apresentador e jornalista Chico Pinheiro. Enquanto Lula voava, as redes sociais eram inundadas pelas notícias em torno do furo dado jornalista Guilherme Amado (site Metrópoles), de que um grupo de empresários reforçou em conversas pelo Whatsapp, a ideia de dar um golpe para evitar a sua chegada ao poder, e em apoio a Bolsonaro.
Isolado e desmerecido na cerimônia de posse do TSE, Bolsonaro é do tipo que não “deixa barato”. É quase certo que a ação seja missa encomendada, para soar como prestígio. Acontece que ele já não consegue arrebanhar em torno de si o PIB e o mercado financeiro da Faria Lima, de maneira uniforme, como já teve um dia. Os que articulavam a ameaça de golpe no zap não passam de “empresariado do B”, do ramo de negócios, do varejo e, embora milionários, estão longe das cifras da balança comercial, das grandes exportações.
O movimento, que já mereceu atenção jurídica – é ação criminosa -, não afeta Lula. O ex-presidente, depois de uma agenda com lideranças locais de Minas, se dirigirá no final da tarde para a Praça da Estação, de BH, onde certamente será saudado com o costumeiro carinho com que o estado costuma recebê-lo.
Quanto a Bolsonaro, perdeu terreno até mesmo entre os militares. Depois de tentar transferir o desfile de Sete de Setembro do seu tradicional cenário, (a Avenida Presidente Vargas, no Centro do Rio), para Copacabana, deixando de fora da festa moradores dos subúrbios e da Baixada Fluminense, que iam ver passar as tropas e todo o arsenal das Forças, desceu do bonde da história. O comando desistiu de um desfile oficial.
Conseguirá, talvez, provocar uma correria no final da Avenida Atlântica, esquina com Francisco Octaviano, onde desaguam vários ônibus de banhistas da Zona Norte, para o Arpoador. Acantonadas no final da Avenida, as tropas pouco poderão evoluir, no meio da massa, mais interessada no lazer, do que nas cornetas e no fardamento militar. Nesta época, há calor e mar calmo no Rio. Que permaneça assim, o cenário carioca, dando passagem para um outubro dentro dos trâmites legais.
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